terça-feira, 21 de agosto de 2012

Adeus a Altamiro


Conhecido por muitas pessoas mais velhas, desconhecido por muitas pessoas mais novas, conhecido e reconhecido por TODAS as pessoas que apreciam choro. Na quarta-feira, dia 15 de agosto de 2012, foi-se Altamiro Carrilho, um dos grandes mestres musicais desse país.

Em 2005, o figura esteve em São Carlos, no Festival Chorando Sem Parar, como homenageado do ano. Com seu sotaque carioca e seu jeito meio sem jeito, falou, falou, falou... E tocou, tocou, tocou. Não só a flauta, mas também o público. Conquistou a simpatia de todos, o que não é difícil, pois, mesmo reforçando várias que "não merecia aquela homenagem", sua música indicou justamente o contrário. Quem estava lá, deve lembrar-se de quando cantamos Carinhoso todos juntos, certamente um dos momentos mais memoráveis daquele dia.

Em 2010, o figura novamente esteve em São Carlos, no mesmo festival. Já mais idoso, com mais dificuldade de locomoção e mais magro, porém com a mesma modéstia e jeitinho conversador que lhe eram peculiares, características que apenas reforçavam sua simpatia e simplicidade.

Na ocasião, eu já estava mais a par de seu trabalho, conhecia alguns de seus CDs. Neles, descobri músicas extremamente originais e criativas desse grande artista, destacando-se em meio a tantos choros comunzões que eu já tinha ouvido. Veja por exemplo esta música: A Máquina de Escrever



Acabei de descobrir que a composição não é dele, mas de qualquer forma eu poucas vezes já tinha ouvido alguém pegar músicas eruditas e tocá-las em choro, ainda mais com tanta propriedade, vivacidade e bom humor. O cara não era nada jovem, e seu trabalho era totalmente inovador!


Outra dessas músicas que eu curtia pra caramba era uma chamada Contatos Imediatos:


Eu nunca assisti ao filme homônimo, mas conhecia essas cinco notinhas do início, e achava mó da hora (imagina se eu iria deixar de gostar de alguma trilha sonora :)).


Outra música sensacional do mestre é esta: Aeroporto do Galeão



Num dado momento do Chorando Sem Parar 2010, o Altamiro tocou Aeroporto do Galeão, e contou a história de como compôs essa música. Ele ia com frequência ao (adivinhe) Aeroporto do Galeão, no RJ, e lá sempre ouvia essas quatro notinhas iniciais, muito provavelmente precedendo aqueles clássicos anúncios feitos no microfone ("Atenção senhores passageiros do voo..."). Ele achava o sonzinho legal e pensou que talvez desse para fazer uma música em cima disso. E fez!

Em seguida, no mesmo Chorando Sem Parar 2010, o Altamiro pediu para a plateia sugerir alguma música. Foi nesse momento que criei coragem e comecei a gritar: "Contatos Imediatos!! CONTATOS IMEDIATOS!!!"

Ao ouvir o nome da música que eu estava falando, ele disse o seguinte: "Ahhh, esse aí está por dentro do meu repertório!", e eu já me senti o cara :)... E ainda contou também a história de quando ele criou essa música. Ele assistiu ao filme, e achou esse teminha muito interessante. De lá, tirou inspiração para fazer a música. E fez. Se eu não me engano, ele até disse que não achou o filme grande coisa, mas que essas 5 notinhas (Lá Si Sol, Sol< Ré) realmente lhe chamaram a atenção.


Essas pequenas historinhas que ele contou, de como compôs essas duas músicas, tiveram uma grande influência na minha vida. Se você entendê-las simplesmente como "o cara ouviu as notinhas, achou legal, compôs em cima e ponto", não vai parecer grande coisa. Mas, se você extrapolar um pouquinho, vai perceber que é muito mais do que um simples "só sei que foi assim": é isso que os gênios fazem.

Os gênios, ao contrário do que muita gente pensa, não são aquelas pessoas que passam semanas em seus laboratórios secretos bolando formas de dominar o mundo. As pessoas que realmente são boas no que fazem são aquelas que buscam inspiração para sua arte no seu dia-a-dia. É vendo um filminho aqui ou ali, vendo uma notícia que saiu no jornal, ouvindo uma fala engraçada de algum amigo, vivenciando uma situação irônica, uma situação difícil... Os gênios fazem da sua própria vida um caminho natural para a sua arte e o seu trabalho.

Vale ressaltar que, quando ele foi começar a tocar a música Contatos Imediatos, ele não se lembrava muito bem das notas, estava confundindo-as com as da Aeroporto do Galeão, que ele tinha acabado de tocar (e as duas são bem parecidas mesmo). Aí, ele pediu para que eu, que tinha pedido a música, ajudasse-o a relembrá-la.

Esse foi meu momento de glória, do qual vou me lembrar pro resto de minha vida. Levantei-me, em meio a centenas de pessoas, ergui os braços e, como que regendo uma orquestra, cantei: "tã tã tã, tó tããããã...". Recebi aplausos de todos, e, com esse solfejo, ele pôde começar a música e presentear-nos com aquele belo e original som, que só o Altamiro sabia fazer.

Eu me senti especialmente recompensado com o meu pedido atendido. Ganhei o dia, ou melhor, o ano, ou melhor, a vida! Lembrarei-me para o resto da minha vida desse momento tão marcante. E o próprio Altamiro também deve ter se lembrado bastante desse ocorrido, pois, após o palco, fui procurá-lo para tirar uma foto com ele e ele me parabenizou pela coragem de ter cantado o começo da música na frente de todo mundo.


Hoje, Altamiro descansa em paz e o céu está mais alegre com sua presença. Certamente, as boas almas do outro lado receberam-no em um lindo coro cantando Carinhoso. E ele deve ter se emocionado, assim como emocionou muita gente aqui na Terra durante os 87 anos que passou aqui com a gente.

Valeu, Carrilhão! É do Brasil!!!!





Altamiro Aquino Carrilho
21/12/1924 - 15/08/2012



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