sábado, 1 de dezembro de 2012

O quadro inteiro da vida?

Uma coisa que não acontece comigo hoje é aquele sentimento de saudade da infância. Eu já tive muito isso, mas hoje não mais. Eu adoro minha vida de hoje e adoro a idade que eu tenho!

Costumo dizer que, se eu morresse hoje, minha vida já teria valido a pena. Fiz todas as coisas que eu queria fazer na vida, exceto aquelas sobre as quais eu mudei de ideia quanto a fazê-las e exceto aquelas que eu ainda não fiz porque ainda estou no caminho de fazer.

Não acho que sair bebendo o máximo de bebidas que conseguir e pegando o máximo de mulheres/caras que puder alguém estará aproveitando sua vida. Depois de um tempo, essas coisas passam. Pegou um monte de mulher (ou homem, se vc for mulher ou gostar da fruta)? E depois? Alguma dessas pessoas vai te visitar no hospital se você estiver no seu leito de morte?

Aproveitar a vida pra mim significa construir. Eu acredito em vida após a morte, mas, mesmo se eu não acreditasse (e já não acreditei), continuaria achando a mesma coisa. As coisas que têm real significado são aquelas que te modificam para melhor, o que tem como consequência modificar também o mundo para melhor.

Aquela ideia de "viver cada dia como se fosse o último" é interessante, mas tem um detalhe que merece cuidado: muitas coisas na vida obviamente não são feitas em um dia, por mais que assim a gente quisesse. Você não realiza um projeto em um dia. Você não faz um amigo em um dia. Você não aprende música em um dia. Você não supera uma barreira psicológica profunda em um dia.

E, no entanto, realizar projetos, fazer amigos, aprender música, vencer barreiras psicológicas etc. fazem parte da vida. Se cada dia fosse o último, não valeria a pena nem começar nada disso.

...ou será que valeria?

Sipá, sim. Porque o mais importante não é chegar lá, e sim curtir o processo. O risco de não chegar é inerente à tentativa. E, se você não chegar lá, você vai com certeza chegar em algum outro lugar, e isso terá te agregado muito.

Eu fiz mestrado durante 3 anos. Após mais ou menos um ano e meio do início, percebi que não era aquilo que eu queria fazer. Já não valia mais a pena voltar atrás. Valia a pena terminar, ainda que esse processo fosse muito sofrido, e foi mesmo. Mas o tanto de coisa que eu aprendi nessa brincadeira não foi brincadeira. Por exemplo, aprendi a lidar com situações adversas e terminar coisas que eu não curto. Eu simplesmente não sabia fazer isso.

E, obviamente, coisas que a gente não curte acontecem direto. Agora, eu sei lidar melhor com isso. Antes, eu não sabia. Se você mostrasse para o André de 2008 um filme retratando uma semana minha de sofrimento com o mestrado em 2010, é bem provável que eu tivesse desistido de fazê-lo.

Por sorte, a gente não tem nenhuma maneira de saber o que virá de antemão. Temos apenas a visão limitada que a gente consegue ter naquele momento. Se eu tivesse desistido de começar, seria uma pessoa com menos sabedoria hoje.

...ou não.

A vida não nos dá certezas. Só temos certeza das coisas que já aconteceram, se é que temos. Não adianta querermos viver baseado em certezas. Não temos o código-fonte do mundo na mão para poder editar e comitar. Não temos acesso a todas as variáveis. Nem sabemos quais são todas as variáveis.

Por isso é que eu acho tonta essa galera que fica fazendo um milhão de previsões sobre o mundo futuro e fica afirmando aquilo com frases pomposas como "Coisa A morreu: chegou a vez de B", "Você ainda faz C? Conheça D, a tecnologia que vai revolucionar sua vida". Isso é mó papo de jornalista que só quer vender sua matéria. A verdade é que ninguém tem certeza de nada, inclusive eu com essa frase.



Em vez de ficar a vida inteira correndo atrás de certezas, é muito mais prático aceitar a ocorrência dos reveses da vida e saber lidar com eles positivamente. É muito mais prático exercitar o desapego para estar preparado para os momentos de perda. É muito mais prático aprender a lidar com o pouco controle que temos do mundo e aprender a lidar com o grande controle que podemos ter de nós mesmos.


Sejamos honestos: ninguém aqui conhece o quadro inteiro da vida, né galera! Vamos deixar o mundo seguir seu rumo. E, por favor, jornalistas e blogueiros, vamos parar com a arrogância de querer se colocar como aquele que "resolveu todos os mistérios da vida", que é o que às vezes soa pra mim ao ler alguns títulos de reportagens por aí. Espero que eu não tenha causado essa impressão com esse post, pois a ideia é fazer justamente o contrário :).

sábado, 24 de novembro de 2012

Detalhes tão pequenos e grandões

Sempre fui considerado detalhista. Principalmente por mim mesmo.

Eu realmente sou um cara detalhista, e isso é uma característica marcante minha.

Mas, nos últimos anos, andei percebendo vários fatos interessantes sobre os detalhes. Esses fatos aplicam-se totalmente a desenvolvimento de software, assim como a muitas outras coisas.

1) É muito mais fácil aprimorar um detalhe do que um negócio inteiro. A galera que gosta de melhoria contínua deve ter isso bem vivo em mente. Melhorias gigantes não são feitas da noite pro dia. Melhorias minúsculas, sim. Aliás, você consegue fazer UM MONTE delas da noite pro dia. Resultado? Satisfação, motivação, experiência, aprendizado. Excelentes ingredientes para uma mudança maior.

2) Produtos de enorme sucesso são extremamente bem acabados. Se você pretende na sua vida criar alguma coisa realmente muito marcante para as pessoas desse mundo, seja para vender ou não, atente para os detalhes. Grandes músicos fizeram isso, grandes designers fizeram isso, grandes desenvolvedores, professores, cineastas, escritores etc. fizeram isso. O "efeito novidade" perde o encanto rapidamente. Os detalhes ficam.

3) Certas coisas são detalhes hoje, mas serão a parte principal amanhã. Hoje, "deixar tal coisa mais bonitinha" não fará diferença. Amanhã, quando o seu projeto for gigante, aquela coisa terá servido de inspiração para a criação de um monte de outras. Parta de uma base tosquinha mantendo o padrão e terá um resultado final toscaço. Parta de uma base bonitinha mantendo o padrão e terá um resultado final maravilhoso.


Por muito tempo, eu estive cansado de ser detalhista. Ficava brigando comigo mesmo, tentando colocar na cabeça que ser detalhista só atrasaria a minha vida.

A verdade é que, mesmo cansado, eu nunca consegui mudar muito isso, pois sempre adorei os detalhes. Hoje, cansei de estar cansado disso :).

Enxerguei o verdadeiro valor e potencial dos detalhes. Enxerguei que eles te levam muito mais longe do que apenas "ajeitar um negocinho aqui". Eles te fazem repensar sua vida inteira, só que eles fazem isso devagar, então você às vezes nem percebe. Quando vê, tudo já mudou.

É porque não mudou de uma hora para a outra, porque nada que é gigante muda de uma hora para a outra. Então, na próxima vez em que alguém virar pra você e falar "O mundo é assim mesmo e tal coisa nunca vai mudar", pergunte para ela quantas pequenas mudanças ela tem feito na sua própria vida. Se a resposta for nenhuma, confirme com todas as letras: "Hm, você tem toda a razão!".

domingo, 18 de novembro de 2012

Faço, logo existo

Antigamente, eu ficava muito nervoso diante de quase qualquer situação em que eu tivesse que tomar uma atitude envolvendo riscos. A simples palavra "decisão" já me causava medo.

Eu tinha consciência de que não poderia viver assim a vida inteira. Eu teria que mudar. Por mais assustadora que parecesse essa ideia de mudança, a ideia de ficar do mesmo jeito a vida inteira parecia muito mais assustadora. Em outras palavras, me vi obrigado a escolher entre o pior e o menos pior :).

Às vezes, eu ficava me imaginando no futuro... Imaginava um cara que conseguiria tomar muitas decisões na vida, sem ficar com medo, sem ficar enrolando, sem ficar pensando exageradamente nas consequências.

Hoje, muitos anos depois, vejo que eu estava QUASE certo sobre o meu futuro :).

Hoje, realmente consigo tomar muitas decisões na minha vida. Consigo não ficar enrolando, consigo não pensar exageradamente nas consequências. Penso o suficiente e PÁ, vou lá, decido e ajo.

Mas existe uma coisa que é bem diferente de como eu pensava que iria ser: a parte do medo. Essa não mudou muito, não :)... Antes de cada decisão a ser tomada, continua me dando medo. Durante cada reflexão que precede uma decisão, continua me dando calafrios, continua me dando insegurança.

Em situações de decisão, segurança é uma das coisas de que mais se sente falta. Tudo o que você quer é ter a certeza, ou ao menos saber que a probabilidade é bem alta, de que a decisão a ser tomada será a mais acertada. Mas acontece o contrário: vem um monte de insegurança e dúvidas. E você, com isso, às vezes fica paralisado, não conseguindo decidir nada. E se ferra com isso.

Hoje, vejo a coisa de forma muito diferente. Vejo que a segurança só chega DEPOIS da decisão ter sido tomada e consolidada. A certeza da melhor escolha, se vier, é lucro, e vem depois.

Desencanei de esperar ter muita segurança e certeza para tomar decisões. Mudei a estratégia: em vez de tentar 10 vezes com 90% de certeza, tento 100 vezes com 9% de certeza. E não crio nenhuma expectativa para as primeiras, sei lá, 30 vezes. Essa fase é de aprendizado. Nessa fase, raramente o resultado é bom. Não é para isso que ela serve. Ela serve para te dar experiência. E experiência você só vai adquirir tentando, dando a cara a tapa. É a fase em que você deve deixar seu orgulho de lado e colocá-lo à disposição para ser ferido, se necessário.

Ter o orgulho ferido, muitas vezes, é um ótimo aprendizado. Torna a gente mais humilde e mais preparado para aceitar fracassos, que fatalmente acontecem.

E tem uma parte boa: não são exatamente 100 vezes com 9% de certeza. Nas primeiras 30 vezes, talvez você tenha só esses 9%. Depois, eles sobem! Pois você já entende melhor do assunto. Então, eles passam para, sei lá, uns 20%. Daqui a pouco, já estão nos 40. Logo, logo, talvez passem até dos 90! E você percebe que, com o tempo, consegue mais certeza do que conseguiria apenas estudando a situação e não fazendo mais nada.

Geralmente, a insegurança mesmo vem em situações desconhecidas, e costumamos lidar bem com as já habituais. Mas isso também tem limitações.

Uma delas é que a gente enfrenta situações novas o tempo todo. É simplesmente impraticável possuir experiência e segurança prévias em tudo.

A outra é que, em geral, somente após MUITA experiência é que ficamos realmente seguros das coisas. No geral, mesmo com a experiência, dá medo, e muito.

Antigamente, eu acreditava que situações favoráveis reduziriam drasticamente minha insegurança e impulsionariam absurdamente minha tomada de atitude. Hoje, vejo que não é bem assim. Já me vi em muitas e muitas situações EXTREMAMENTE favoráveis em que o medo e a insegurança persistiram, em um grau apenas ligeiramente menor que o normal.

Então, reduzi a importância disso na minha cabeça. Antes eu achava que o principal lance era a situação. Se a situação fosse tranquila, eu estaria tranquilo e seria de boa. Hoje, acho que a situação é apenas uma pequena parte. A principal parte mesmo é a seguinte:

A capacidade de agir APESAR do medo, APESAR da insegurança, MESMO sem certeza, AINDA QUE correndo risco.

Minha psicóloga sempre disse isso para mim de uma maneira ou de outra, e acho que eu finalmente andei entendendo :)... O caminho mais eficaz para mim ficou sendo "fazer cada vez mais coisas", e não "estudar cada vez mais situações".

Além disso, começar pequeno também ajuda muito. Você dificilmente vai conseguir vencer um Everest de bloqueios mentais da noite pro dia. Você dificilmente vai mudar um comportamento mega enraizado na sua alma da noite pro dia. Muito mais viável é buscar pequenas vitórias, pequenos progressos, nas situações em que você tiver que dar apenas um passo, e não 500.

Dado o primeiro passo, você com certeza colherá frutos. Talvez não sejam os mais doces frutos do mundo, afinal, você estará na fase de aprendizado. O importante mesmo é que você DEU aquele passo. Você cresceu. Você venceu uma pequena etapa. Você já está melhor do que estava antes. Dado esse passo, já ficou mais fácil enxergar os próximos e caminhar por eles. E assim você vai, até que um dia, quase que magicamente, você chega lá.

Essa é a mágica da vida: não existe mágica nenhuma. Existem caminhos a serem percorridos, existe esforço, fé, dedicação, superação.

Deixa eu parar por aqui antes que comece a ficar clichê demais :).

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A lógica do mundo

O mundo às vezes parece seguir mais ou menos a seguinte lógica:

Comer somente o que te faz bem é ser alternativo.
Ser coerente é ser alternativo.
Fazer um excelente trabalho é ser alternativo.
Deixar aflorarem as ideias e emoções é ser alternativo.
Tratar mulheres com respeito é ser alternativo.
Pagar à vista é ser alternativo.
Ter autocontrole é ser alternativo.
Gostar de natureza é ser alternativo.
Valorizar sua própria língua é ser alternativo.
Valorizar a música boa do seu país é ser alternativo.
Evitar preconceitos é ser alternativo.
Ter parcimônia nos julgamentos é ser alternativo.
Cuidar bem da sua própria vida é ser alternativo.


Em outras palavras:

Normal é comer o que te faz mal.
Normal é ser contraditório.
Normal é trabalhar nas coxas.
Normal é ser reprimido.
Normal é tratar mulher como objeto.
Normal é se endividar.
Normal é ser descontrolado.
Normal é gostar de artificialidades.
Normal é pagar pau pra língua dos outros.
Normal é pagar pau pra música dos outros.
Normal é ser preconceituoso.
Normal é sair julgando.
Normal é encher o saco dos outros.


E depois o louco sou eu.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A arte está em todo lugar

Poesia: palavra que assusta.

Poesia é a voz da alma. Todos têm alma. Todos têm poesia dentro de si, todos apreciam poesia. Muitos apenas não sabem disso, pois existe um tabu.

Esse tabu prega coisas do tipo "poesia é coisa de viado", "poesia é um bando de gente tonta falando bobagem sem significado", e por aí vai. E é justamente aí que está a parada: significado.

Significado é uma coisa pessoal. Um filme pode ser extremamente significativo para muitos e não valer nada para outros. Com um livro, a mesma coisa. Com este blog, a mesma coisa. Com qualquer forma de comunicação, a mesma coisa.

Essa é a dinâmica da vida. O diálogo, como diria a própria palavra, só existe a dois. Não há nada de errado nisso, nem nada que precise ser mudado até aí. Pessoas devem buscar aquilo que dialoga com elas.

Se existe algo que deva ser mudado, é o mal-entendimento da galera a respeito do que são arte e poesia. Definir essas coisas é complicado. Ou não.

Pergunte a um computeiro o que ele sente quando assiste à clássica palestra do Steve Jobs em Stanford, eternamente citada neste blog.





Pergunte a um cinéfilo o que ele sente ao assistir a um filme épico.

Pergunte a um jogador o que ele sente quando escuta uma bela trilha sonora.

Pergunte a uma pessoa que viveu a infância anos 80-90 o que ela sente quando relembra uma fala do Chaves, um episódio de Anos Incríveis, uma música de filme da Disney.






A poesia não está restrita a textos rebuscados, grupos de intelectuais, pessoas metidas, pessoas malucas. Ela está em todo lugar. Lembro-me de um episódio de "O Fantástico Mundo de Bobby" muito da hora, em que há um guardinha de trânsito que diz para ele: "A música está em todo lugar", frase que marca o Bobby. O guardinha morre durante o episódio. Com isso, o trânsito vira uma bagunça, e o Bobby está lá no meio do trânsito complicado, a pé. Chega um momento em que ele finalmente compreende de verdade a frase que ouviu. Aí, usa o apito do guardinha e consegue organizar o trânsito. Nesse momento, é mostrado o guardinha lá no céu, sobre uma nuvem, olhando para a rua, orgulhoso do garoto.

Essas coisas que marcam a nossa vida não surgem por acaso, não vêm do nada. Elas são apenas a poesia que algumas pessoas acrescentam em suas peças publicitárias, literárias, televisivas etc. Elas nos marcam porque dialogam com a nossa alma.

Falas aleatórias que surgem no dia-a-dia, piadinhas sagazes, momentos inusitados, cenas simples e marcantes... Tudo traz alguma carga poética. É só reparar!


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Apenas humanos sendo humanos

Uma coisa com que eu não me conformo nessa vida é o nosso atraso enquanto humanidade.
  • Orientação a objetos já tem mais de 30 anos e até hoje nego não entende direito e não sabe usar direito.
  • Lógica existe desde a Grécia Antiga e até hoje tem gente que não aparenta aplicá-la em suas vidas.
  • Sabemos que não sabemos as respostas para os problemas ambientais desde a ECO92 (no mínimo) e até hoje nego acha que tá tudo bem, tá tudo certo.
  • Espiritualidade é estudada e praticada há milênios e até hoje tem gente se matando ou se ofendendo por causa de religião.
  • Músicas maravilhosas foram compostas séculos atrás e até hoje nego não sabe apreciá-las direito.

Às vezes sinto que somos um bando de amadores vivendo nesse mundo. Muitas respostas já estão aí, já foram encontradas, muita coisa já foi provada, muitos problemas já foram resolvidos... E ainda continuamos tendo os mesmos problemas, as mesmas discussões, os mesmos impasses. Parece que queremos ficar sempre na mesma, remoendo e requentando as questões.

Acorda aí, galera... Olhe pros problemas com inteligência. Pense bem se alguém já não teve esse mesmo problema antes, procure uma solução já existente, veja se ela se aplica ao seu caso. Nego já estudou e testou MUITA coisa na história desse planeta, é bem possível que o seu problema na verdade nem exista. E, se for esse o caso, vc ganha uma carta branca pra largar mão desse e partir prum próximo, muito mais importante e interessante.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Adeus a Altamiro


Conhecido por muitas pessoas mais velhas, desconhecido por muitas pessoas mais novas, conhecido e reconhecido por TODAS as pessoas que apreciam choro. Na quarta-feira, dia 15 de agosto de 2012, foi-se Altamiro Carrilho, um dos grandes mestres musicais desse país.

Em 2005, o figura esteve em São Carlos, no Festival Chorando Sem Parar, como homenageado do ano. Com seu sotaque carioca e seu jeito meio sem jeito, falou, falou, falou... E tocou, tocou, tocou. Não só a flauta, mas também o público. Conquistou a simpatia de todos, o que não é difícil, pois, mesmo reforçando várias que "não merecia aquela homenagem", sua música indicou justamente o contrário. Quem estava lá, deve lembrar-se de quando cantamos Carinhoso todos juntos, certamente um dos momentos mais memoráveis daquele dia.

Em 2010, o figura novamente esteve em São Carlos, no mesmo festival. Já mais idoso, com mais dificuldade de locomoção e mais magro, porém com a mesma modéstia e jeitinho conversador que lhe eram peculiares, características que apenas reforçavam sua simpatia e simplicidade.

Na ocasião, eu já estava mais a par de seu trabalho, conhecia alguns de seus CDs. Neles, descobri músicas extremamente originais e criativas desse grande artista, destacando-se em meio a tantos choros comunzões que eu já tinha ouvido. Veja por exemplo esta música: A Máquina de Escrever



Acabei de descobrir que a composição não é dele, mas de qualquer forma eu poucas vezes já tinha ouvido alguém pegar músicas eruditas e tocá-las em choro, ainda mais com tanta propriedade, vivacidade e bom humor. O cara não era nada jovem, e seu trabalho era totalmente inovador!


Outra dessas músicas que eu curtia pra caramba era uma chamada Contatos Imediatos:


Eu nunca assisti ao filme homônimo, mas conhecia essas cinco notinhas do início, e achava mó da hora (imagina se eu iria deixar de gostar de alguma trilha sonora :)).


Outra música sensacional do mestre é esta: Aeroporto do Galeão



Num dado momento do Chorando Sem Parar 2010, o Altamiro tocou Aeroporto do Galeão, e contou a história de como compôs essa música. Ele ia com frequência ao (adivinhe) Aeroporto do Galeão, no RJ, e lá sempre ouvia essas quatro notinhas iniciais, muito provavelmente precedendo aqueles clássicos anúncios feitos no microfone ("Atenção senhores passageiros do voo..."). Ele achava o sonzinho legal e pensou que talvez desse para fazer uma música em cima disso. E fez!

Em seguida, no mesmo Chorando Sem Parar 2010, o Altamiro pediu para a plateia sugerir alguma música. Foi nesse momento que criei coragem e comecei a gritar: "Contatos Imediatos!! CONTATOS IMEDIATOS!!!"

Ao ouvir o nome da música que eu estava falando, ele disse o seguinte: "Ahhh, esse aí está por dentro do meu repertório!", e eu já me senti o cara :)... E ainda contou também a história de quando ele criou essa música. Ele assistiu ao filme, e achou esse teminha muito interessante. De lá, tirou inspiração para fazer a música. E fez. Se eu não me engano, ele até disse que não achou o filme grande coisa, mas que essas 5 notinhas (Lá Si Sol, Sol< Ré) realmente lhe chamaram a atenção.


Essas pequenas historinhas que ele contou, de como compôs essas duas músicas, tiveram uma grande influência na minha vida. Se você entendê-las simplesmente como "o cara ouviu as notinhas, achou legal, compôs em cima e ponto", não vai parecer grande coisa. Mas, se você extrapolar um pouquinho, vai perceber que é muito mais do que um simples "só sei que foi assim": é isso que os gênios fazem.

Os gênios, ao contrário do que muita gente pensa, não são aquelas pessoas que passam semanas em seus laboratórios secretos bolando formas de dominar o mundo. As pessoas que realmente são boas no que fazem são aquelas que buscam inspiração para sua arte no seu dia-a-dia. É vendo um filminho aqui ou ali, vendo uma notícia que saiu no jornal, ouvindo uma fala engraçada de algum amigo, vivenciando uma situação irônica, uma situação difícil... Os gênios fazem da sua própria vida um caminho natural para a sua arte e o seu trabalho.

Vale ressaltar que, quando ele foi começar a tocar a música Contatos Imediatos, ele não se lembrava muito bem das notas, estava confundindo-as com as da Aeroporto do Galeão, que ele tinha acabado de tocar (e as duas são bem parecidas mesmo). Aí, ele pediu para que eu, que tinha pedido a música, ajudasse-o a relembrá-la.

Esse foi meu momento de glória, do qual vou me lembrar pro resto de minha vida. Levantei-me, em meio a centenas de pessoas, ergui os braços e, como que regendo uma orquestra, cantei: "tã tã tã, tó tããããã...". Recebi aplausos de todos, e, com esse solfejo, ele pôde começar a música e presentear-nos com aquele belo e original som, que só o Altamiro sabia fazer.

Eu me senti especialmente recompensado com o meu pedido atendido. Ganhei o dia, ou melhor, o ano, ou melhor, a vida! Lembrarei-me para o resto da minha vida desse momento tão marcante. E o próprio Altamiro também deve ter se lembrado bastante desse ocorrido, pois, após o palco, fui procurá-lo para tirar uma foto com ele e ele me parabenizou pela coragem de ter cantado o começo da música na frente de todo mundo.


Hoje, Altamiro descansa em paz e o céu está mais alegre com sua presença. Certamente, as boas almas do outro lado receberam-no em um lindo coro cantando Carinhoso. E ele deve ter se emocionado, assim como emocionou muita gente aqui na Terra durante os 87 anos que passou aqui com a gente.

Valeu, Carrilhão! É do Brasil!!!!





Altamiro Aquino Carrilho
21/12/1924 - 15/08/2012



domingo, 12 de agosto de 2012

Reinventando a roda

Estou ouvindo agora o Nerdcast 320, e lá pelo 1h14min eles falam algo sobre "fazer upload da sua consciência para outro planeta, já que o ser humano não aguentaria uma viagem para Marte".

Colocado assim, o contexto parece meio absurdo. Mas vamos deixá-lo um pouco de lado. Vamos considerar apenas essa ideia de "o que é que a gente será capaz de fazer no futuro com o avanço da tecnologia?", "quais problemas conseguiremos resolver?" etc.

Eu fico ouvindo essas paradas aí e fico pensando... Até quando a gente vai ficar achando que sabe resolver os problemas do mundo melhor que a natureza?

Vc com ctz já ouviu falar no tanto de lixo, esgoto, poluentes etc. que nossas cidades geram. Isso, em grande parte, é devido à quantidade de gente que existe no mundo. No entanto, será que esse realmente é o único motivo da existência desse problema?

O que ninguém fala é o seguinte: vc já parou pra pensar em como as coisas funcionavam quando não existiam as cidades imensas que a gente conhece hoje? Você já parou pra pensar em como funcionam as coisas, por exemplo, numa floresta? Quanto se produz, quanto se consome, quanto é realmente necessário e para onde vai tudo o que é produzido e consumido?


Não sou especialista no assunto, mas não precisa muito para imaginar o quanto funciona melhor do que o que conhecemos do cotidiano urbano. Matéria orgânica natural é biodegradável. Ela entra no ciclo da decomposição e passa a fazer parte de outros seres. Sim, alguns dos seus átomos com certeza já fizeram parte de plantas e animais! A natureza já resolveu esse problema.

Mas aí, vai lá o ser humano e inventa, por exemplo, o plástico. Inventa de extrair petróleo. Inventa os pigmentos químicos de origem sei lá qual. Aí, mistura tudo isso, inventa um monte de bagulho tóxico e que não se decompõe na natureza. Depois de um tempo, começa a usar paradas assim para produzir eletrônicos. Depois, enfia na cabeça da população a necessidade de consumir eletrônicos desesperadamente. (estou pretensiosamente resumindo em um parágrafo alguns séculos ou milênios de história :P)

Pronto. Agora, temos uma sociedade consumista e produtora de toneladas de lixo tóxico, lembrando que os eletrônicos são só um exemplo, tem muito mais coisa.

Considerando-nos superiores à natureza, resolvemos bolar nossas próprias soluções para esses problemas: aterros sanitários, reciclagem, exportação de lixo para países subdesenvolvidos... Ótimas soluções, não? Super eficazes.


Isso acontece DIRETO. Vivemos tentando solucionar problemas que na verdade não existem, ou melhor, que não deveriam existir, e que não existiam até o ser humano ir lá e criá-los.

Mas o grande problema não é esse. Errar é humano, já diz o ditado. O problema é insistir no erro. Meu... Não é mandando todo mundo pra Marte que nós vamos reparar todos os erros que cometemos nesse planeta.

Pode até ser que, na prática, a única solução seja começar uma sociedade de novo mesmo, do zero. A questão é: mesmo que a gente comece tudo de novo, só vai dar certo se a gente mudar nossa mentalidade. Mudando nossa mentalidade, temos a chance de chegar na melhor solução possível para qualquer problema, que é NÃO TER o problema.

Tem gente que parece ter uma dificuldade enorme de entender isso e lidar com isso. Tem gente para quem parece absurda a ideia de eliminar um problema, tal é o envolvimento dela com a atividade de dar um jeito nas consequências dele. É tipo um bombeiro todo dia tendo que apagar um incêndio: se você resolve o problema que estava causando o incêndio e agora ele não acontece mais, o trabalho desse bombeiro, nesse contexto, torna-se desnecessário. Seria isso ruim, porque "ele perde o emprego"? Claro que não, isso é ótimo!! Agora ele poderá se dedicar a alguma outra atividade mais importante do que ficar reparando os erros dos outros. Mas isso depende de ele se dispor a mudar de atividade, o que muitas vezes não acontece.

Da mesma forma, será mesmo que "precisamos resolver o problema da quantidade de lixo produzida"? Será que essa é realmente a questão, ou será que a questão mais importante mesmo é: por que é que existe o problema do lixo? Quais são os motivos da existência desse e de outros problemas? Será que ficar tomando remedinho pra resfriado toda semana a gente está se curando do verdadeiro mal, ou estamos apenas tapando o sol com a peneira?


Quando vamos desenvolver software, ninguém em sã consciência resolve tudo do zero. Você reaproveita soluções prontas, e economiza muito com isso: tempo, dinheiro, dores de cabeça... Alguém já teve aquele problema antes de você, já estudou-o e, muitas vezes, resolveu-o muito bem. Tem até bordão pra isso: "não reinvente a roda".

Infelizmente, não vejo muito essa lição sendo aplicada com relação à natureza. Ela já resolveu muitos, MUITOS problemas. A natureza é uma coisa maravilhosa. Observando-a, podemos notar muitos padrões, que se repetem no micro e no macro, em tudo quanto é lugar e ocasião (vide a proporção áurea, por exemplo). Podemos aprender muito com os fenômenos naturais, obtendo inspiração para solucionar vários problemas, seja na área de software, urbanismo, arte, sociedade ou quaisquer outras. Só que não existe um GitHub dela já com tudo prontinho pra ser consultado e baixado: precisamos de um pouco mais de sensibilidade do que isso para captarmos essas ideias e apreciar seu verdadeiro valor.

(Ops, na verdade, acabei de acessar https://github.com/natureza e na verdade existe! Só que não tem nenhum repositório, então continuamos na mesma :P)


terça-feira, 7 de agosto de 2012

Retrocesso tecnológico

"O mercado de dispositivos móveis não para de crescer, bla bla bla bla".

Agora mesmo tentei jogar um jogo chamado Magic Portals, brasileiro, que parece muito legal, e descobri que esse negócio só roda em Android e iPhone. Pela descrição do tal do Ethanon Engine, também brazuca, eu achei que ele rodasse meio que em qualquer plataforma, inclusive o eterno, clássico, inesquecível computador desktop.

Às vezes sinto como se estivéssemos vivendo uma era meio que da "exclusão do desktop". Tanto se fala em dispositivos móveis e muito pouco se fala no bom e velho desktop ou notebook. Eu realmente espero que não comecem a esquecer esses dispositivos, porque eu não estou a fim de ser obrigado a comprar nenhum smartphone pra poder ver e fazer o que eu sempre pude ver e fazer sem ter um.

Às vezes, me sinto um estranho no ninho por não ter nenhum Android ou iPhone, e olha que eu tenho um iPod Touch, que é quase um iPhone, com a diferença de que eu não fico usando-o o tempo todo (o que, de fato, faz bastante diferença).

Outra coisa é que eu simplesmente não enxergo vantagem em ficar acessando a internet de qualquer lugar. Internet, pra mim, perdoem-me pelo pensamento de tiozão, foi feita pra ser usada em casa, no trabalho etc. Não quero ficar fazendo check-in nos lugares pra onde vou, nem ficar competindo com meus amigos pra ver quem faz mais avaliações de restaurantes da cidade. Não quero ficar usando uma interface limitada como uma telinha com tecladinho virtual, enquanto em casa eu tenho uma tela de 15,4 polegadas + outra de 20 à minha disposição, além do meu mouse e teclado ABNT2, cheio de teclas pra serem pressionadas.

Que fique claro que eu não estou dizendo "usar internet no celular não serve pra nada". Eu já usei e achei muito legal em algumas situações. Só acho que não se compara a usá-la num PC.

Também tenho plena consciência de que existem jogos completamente apropriados para telas sensíveis a toque, que ficam muito melhor de serem jogados assim do que ficariam usando um mouse.

Mas eu não canso de achar que toda essa obsessão mundial por celulares e afins não tem raízes no verdadeiro desejo das pessoas. Não canso de achar que o único motor significativo dessa tal "mudança de costumes" seja simplesmente o desejo dos fabricantes de ganhar mais e mais dinheiro.

Eu olho ao meu redor no meu país e vejo gente que não tem acesso à educação, vejo gente que não tem acesso à cultura, vejo assassinatos da língua portuguesa, vejo gente ouvindo atentados musicais aos ouvidos... E, na boa, não é um aparelhinho caro carregado no bolso que vai mudar essa situação. "Ah, mas aí a pessoa vai conseguir acessar a Wikipédia pagando um plano 3G baratinho!!". Sim, ela vai poder. Mas será que ela VAI fazer isso? Eu acho que não. Eu acho que, quanto mais a gente se distancia dos verdadeiros assuntos que deveriam ser tratados (tipo a educação), mais aumentamos as distâncias entre ricos e pobres, letrados e iliteratos. Quanto mais a gente se dá desculpa sobre o que é e o que não é importante de fato para a vida das pessoas, mais deixamos de enxergar os fatos e mais vivemos num mundo de ilusão.

Educação não é uma opção. Arrisco dizer que quase qualquer problema comum que vemos por aqui é decorrente da falta de educação. "Ah, o Brasil tá violento"... Educação. "Ah, a qualidade dos serviços aqui é ruim"... Educação. "Ah, aqui é só corrupção"... Educação. "Ah, no exterior os motoristas param na faixa de pedestres, aqui não"... Educação. "Ah, acordei com o pé doendo hoje"... Educação.

Eu desisti de política. Nunca fui muito fã, mas teve uma época em que eu considerei importante e quis acompanhar mais. Hoje, pra mim, não é mais do meu interesse. Pra mim, hoje, não importa plataforma de governo, não importa política externa, não importa esquerda/centro/direita. Só o que importa é o quanto esses ditos representantes do povo vão conseguir botar crianças, jovens e adultos em salas de aula e fora delas e pagar o valor merecido para os professores desse país fazerem um excelente trabalho de ensino com essas pessoas, e o quanto vão fazer essas pessoas saberem caminhar com suas próprias pernas e se desenvolverem pessoal e profissionalmente.

Na minha opinião, não adianta NADA o país melhorar sua condição econômica, financeira, produtiva, industrial bla bla bla enquanto eu não puder andar na rua e ver uma calçada limpa, resultado do MÍNIMO de educação que eu gostaria de esperar das pessoas que aqui habitam. Pra mim não adianta NADA a minha cidade ter um PIB imenso e eu quase todo dia ter que aguentar presepeiro tocando som alto e ridículo em seu carro na minha rua. Pra mim não adianta nada eu ter um bom salário e pensar que tem nego se matando muito mais do que eu e ganhando muito menos.

Isso tudo é questão de mentalidade, política e cultura. Não é uma questão tecnológica, não é uma questão matemática, não é uma questão financeira.

O mundo não precisa de mais dinheiro, mais lucro, mais contas fechando, mais tecnologia. O mundo precisa saber aproveitar melhor o que ele já tem para funcionar melhor. O mundo funciona muito mal. É ridículo a gente ficar se considerando uma sociedade tão avançada com o tanto de poluição e impacto ambiental que a gente gera. É ridículo um país tipo os EUA considerar-se tão desenvolvido e ter uma dependência externa enorme de manufatura, pagando salários absurdamente baixos para as pessoas que trabalham nessas fábricas. É ridículo a gente ficar se achando isso e aquilo enquanto tem nego morrendo de fome, matando e roubando.

Abre o olho aí, ser humano :)... Tá na hora de reavaliarmos seriamente nosso conceito de avançado, desenvolvido e coisa e tal.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A busca por não sei o quê

Eu estou na busca desse não sei o quê.

Eu não sei bem o que é, mas eu sei que passa por língua portuguesa, lógica, espiritualidade, desenvolvimento de software, boa música, simpatia, boa convivência...

Na verdade eu sei o que é, só não sei muito bem colocar em palavras. Tem a ver com Deus, tem a ver com mudar o mundo, tem a ver com coisas boas, bem-estar, felicidade... Mas não é exatamente nenhuma dessas coisas.

Bom, e o que é que a gente sabe sobre o que são cada uma dessas coisas, né? E o que é que a gente sabe sobre a exatidão de cada uma dessas coisas? O que é que a gente sabe sobre a exatidão de quase QUALQUER coisa?

Arrisco dizer que só sabemos racionalmente algumas poucas coisas puramente lógicas, que nada mais são do que consequências dos nossos paradigmas. Interpreto "paradigma" como "um conjunto de axiomas", ou seja, as premissas básicas que você toma, decidindo não prová-las, e sim usá-las como base pra provar outras coisas.

Fora essas poucas coisas puramente lógicas, sujeitas à validade de seus axiomas, sabemos quase nada. Isso considerando esse "sabemos" no sentido objetivo da coisa. Porque, no sentido mais subjetivo e intuitivo, sabemos MUITO mais coisas e temos MUITO mais potencial.

Provar é uma atividade que consome muita energia. Convencer os outros, então, nem se fala! Isso tudo desgasta muito, principalmente quando o outro lado não quer ser convencido de alguma coisa ou não está aberto a novas ideias.

Por outro lado, o entender intuitivamente simplesmente torna desnecessária essa etapa, o que economiza um monte de energia. Entender intuitivamente é uma forma muito eficiente de usar sua energia, permitindo que você use o que sobrou para outras coisas, tipo outros entendimentos.

Isso me lembra um pouco a área acadêmica (mestrado/doutorado) e aquela suposta necessidade de ficar justificando cada passo que você dá. Eu lembro como eu achava isso um saco, pois tinhas coisas que daria mais trabalho justificar do que simplesmente fazer e mostrar o bom resultado. Mesmo assim, tinha que fazer. Tem muitas situações na vida que exigem isso da gente. Em algumas dessas, não tem muito o que fazer, tem que jogar o jogo assim mesmo. Em outras, dá para simplificar o processo e render melhor.

Mas o que importa mesmo é que, independentemente de como é a sua vida quando você está com os outros, quando você está somente com VOCÊ MESMO, você realmente não precisa (ou não deveria precisar) ficar gastando essa energia de convencimento. Aí entra toda a parada de acreditar em você mesmo, de gostar de si mesmo e talz. Quando isso tudo acontece, você diminui o atrito da sua autocomunicação, e diminuindo o atrito você economiza energia.

Creio que esse processo intuitivo, paradoxalmente, acabe na verdade gerando uma visão muito mais objetiva das coisas, mesmo que o caminho seja o da subjetividade. A longo prazo, seguindo esse processo, você ganha uma visão mais ampla, mais real do mundo. Isso, sim, é objetividade, mesmo não sendo "amplamente sustentada por fortes argumentos concretos apoiados por grandes pesquisadores".

Pesquisadores grandes de verdade não ficam se ligando tanto no que os outros acham. Eles aprendem com os outros e depois geram coisas novas. E coisas novas estão fadadas a gerar estranhamentos e dúvidas das outras pessoas, o que até aí é normal e blz, mas se nego começar a questionar demais ou ficar procurando defeito, vai acabar encontrando coisa que não existe, ou melhor, vai acabar criando problema.

Nas primeiras vezes em que eu escutei esse lance de que às vezes a dúvida gera malefícios, eu achei meio estranho. Hoje eu acho perfeitamente plausível. Existe um nível saudável de dúvida para se ter. Acima disso, prejudica. E esse nível varia conforme o assunto. Os assuntos mais sutis e espirituais exigem uma abertura e desprendimento muito grandes para serem entendidos. Dúvidas pequenas já são capazes de dificultar ou impossibilitar certas compreensões de nível mais elevado.

Repare que eu não estou de maneira nenhuma defendendo que se tenha uma fé cega nem nada disso. Pelo contrário, o negócio TEM que fazer sentido pra você. O que eu estou defendendo é que esse sentido varia muito, nem sempre ele é racional ou logicamente explicável. Às vezes é, sim, mas muitas vezes não. E nós, enquanto humanidade, precisamos aprender a lidar melhor com esse lance todo da intuição, que anda meio esquecido em alguns meios mais racionalistas. Eu vivo num meio computeiro, e nele existem várias pessoas extremamente racionais e concretistas, que não levam a sério o poder da compreensão sutil das coisas, um negócio que transcende os questionamentos e as tentativas de se provar as coisas.

Parecem haver nesse mundo ideias tão sutis que, se você tentar enunciar qualquer coisa sobre elas, não vai fazer sentido. Mas, se você tentar apenas compreendê-las, fará sentido. Dá a impressão de que concretizar algumas coisas torna-as pesadas demais para elas continuarem existindo, e aí elas deixam de existir. É como quando você está fazendo alguma atividade tipo jogar boliche: do nada, você tem aquele estalo do jeito certinho de jogar que vai fazer strike! Nesse momento, você tem duas alternativas: 1) simplesmente joga, fazendo o strike! 2) titubeia ou para só um pouquinho pra pensar: e aí você erra.

sábado, 21 de julho de 2012

Saber que não sabe

Lidar com a dúvida dá muito mais trabalho do que com a certeza.

Mas, na vida, existem muito mais dúvidas do que certezas. Aí, o que alguns fazem é fingir que certas dúvidas não existem, fingir que são certezas. Aí, o que alguns outros fazem é ir na onda desses primeiros. E fica todo mundo se sentindo feliz e seguro.

E iludido.

É muito mais produtivo aceitar logo de cara as incertezas da vida, diminuindo a arrogância e aumentando a humildade. A humildade é extremamente poderosa, ela te deixa de olhos abertos. A arrogância ofusca, ela aumenta os riscos de erro ao fingir minimizá-los. "Eu manjo pra caramba disso, então eu sei que vai ser de tal jeito". Parece lindo, fica ótimo num discurso, convence todos os superiores na hierarquia. E é sólido como água.

A humildade faz meio que o contrário, ela logo põe na mesa os riscos de forma clara e compartilha-os. Depois, ela abre para discussão e aponta alguns caminhos tidos como os mais propensos a dar certo, sem dar garantia nenhuma.

A vida não nos dá garantia nenhuma. Quem somos nós pra dar alguma?

Tem nego que diz que tá provado que Deus não existe. Tem nego que diz que tá provado que Deus existe. E fica essa batalha de egos, bem típicas de Facebook, e ninguém chega a lugar nenhum.

Meu, por que todo mundo não admite que não sabe e pronto? É feio não saber? Claro que não. Feio é não saber que não sabe!

Quem sabe que não sabe vai com uma postura muito melhor, com uma cabeça muito mais aberta, com uma chance muito maior de acertar. Por quê? Porque esses vão buscar saber. E acabam sabendo mesmo, porque foram atrás de saber.

Quem acha que já sabe costuma não considerar direito a possibilidade de estar errado, costuma não se adaptar bem a mudanças, que são inevitáveis.

Mas, como eu disse, lidar com a dúvida dá muito mais trabalho do que com a certeza. Exige mais estrutura, mais calma, menos necessidade de sensação de segurança... E por aí vai.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

É bem por aí mesmo

Acabei de ver isto: http://9gag.com/gag/4474920

Eu já tinha visto há muito tempo, e curti desde a primeira vez em que li. Aí me lembrei de várias coisas...

Uma delas é a seguinte: é difícil seguir firme nos seus sonhos. Porque o mundo não sonha o mesmo que você. O mundo não enxerga o mundo com os seus olhos, só você faz isso. Só você tem a sua visão. Só você tem a sua vivência.

Não dá pra depender da opinião dos outros para viver a sua vida. Claro que dá pra ouvir a opinião dos outros, mas fazer isso é tão arriscado quanto não fazer. O mundo vai tentar te convencer de que você está errado e você vai tentar convencer o mundo de que ele está errado. Essa é a dinâmica da vida, assim como pechinchar é a dinâmica de se fechar um negócio.


Como todo mundo, às vezes eu me esqueço disso, e fico achando que eu estou errando nas minhas ideias, que eu estou exagerando nas minhas convicções, que eu estou sozinho no mundo etc. etc. etc. Nada disso é verdade. Tudo isso vira e mexe passa pela cabeça da gente, mas, do mesmo jeito que entra, tem que sair. Lembre-se de quem você é, lembre-se do que te levou aonde você está, lembre-se das suas convicções e de todos os benefícios que elas já te trouxeram.


Esteja disposto a mudar de convicções, mas somente quando tiver convicção da mudança. Tenha certeza de que foi VOCÊ que mudou de opinião, não alguém de fora que tentou mudar sua opinião.

Opinião é uma coisa complicada... Muitas vezes ela atrapalha. Muitas vezes ela ofusca. Tá cheio de coisa objetiva por aí disfarçada de subjetiva na cabeça das pessoas. Tá cheio de gente querendo dar pitaco em coisas que nem sacou direito como funcionam, alegando que "é assim que funciona numa democracia". Tá cheio de gente enfiando política onde não existe, tá cheio de gente inventando problema que não existe, tá cheio de gente querendo complicar coisas simples e simplificar coisas complexas.

Costumo pensar que complicado é uma coisa, complexo é outra. Complicado é aquilo que alguém complicou (em geral, desnecessariamente). Complexo é aquilo que é, em essência, complexo. Por exemplo, um país inteiro de 300 milhões de habitantes é algo complexo. Uma função logarítmica é algo que às vezes é complicado (por alguém).

Não deixe que quem não sabe o que diz atrapalhe a sua visão. Mantenha a sua visão. Aprenda com o mundo, mas saiba que o seu potencial é maior que o do mundo. Sabe por quê? Porque você não controla o mundo, mas você controla você mesmo. Então, sendo você o referencial, você é o ser mais poderoso que existe. Já pensou nisso?

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Enxergando o óbvio


Nego enche a boca pra enfiar palavras em inglês em situações completamente desnecessárias. Gringo - que fala inglês bem melhor que a gente - vem ao Brasil e acha isso ridículo.

Professor sem-noção não tem a menor capacidade de dar uma boa aula e motivar seus alunos. E enche a boca pra falar que é Doutor.

Pessoas comuns escutam verdadeiros insultos, que a indústria fonográfica insiste em chamar de música. E acham isso ótimo. Alguns inclusive obrigam os outros a escutarem também, ao passarem com seus carros barulhentos.

Mídias divulgam conteúdo completamente enviesado, irrelevante, sem nada construtivo, carregado de preconceitos e deseducações. E ganham prêmios de responsabilidade social.

Nego se acha inovador repetindo o que dizem os caras A, B e C - caras que o cara renomado D garantiu que sabem o que estão falando.

Empresas consideram-se na vanguarda da tecnologia mundial porque sabem desenvolver sistemas de software, enquanto nego lá fora tá estudando e desenvolvendo as linguagens de programação que nem existem ainda, as plataformas que nem existem ainda, os conceitos abstratos que nem existem ainda.

Pesquisas científicas gastam milhões para descobrir coisas totalmente irrelevantes, inúteis ou óbvias. ("Cigarro faz mal", "Dormir bem faz bem", "Ser feliz é importante")

Nego escreve um livro tosco e bota mil estrelas em volta disso no currículo. Você vai ler o livro e acha um lixo. Você dá essa sua opinião pra alguém e a pessoa diz que você é que é chato.

Você conhece uma pessoa maravilhosamente competente que estudou numa faculdade particular, e outra pessoa incrivelmente imbecil que estudou numa renomada universidade pública. Essa última faz parte da elite intelectual do país e a primeira não.

Você tenta explicar alguma coisa que basta abrir os olhos para enxergar e é considerado herege porque a sua opinião diverge da opinião da maioria.


A cada dia que passa, três coisas acontecem comigo:
  1. fica mais óbvio pra mim o quão ridículo é tudo isso;
  2. tenho menos paciência com esse tipo de atitude;
  3. fica mais claro pra mim o quanto podemos, como humanidade, ser muito melhores do que isso.


Então, peço licença para parar de tentar enganar a mim mesmo e para dizer algumas coisas óbvias:

Que mania ridícula de usar estrangeirismos à toa.
Que mania ridícula de automaticamente se considerar inferior em tudo.
Que mania ridícula de achar que o que está escrito em livro é automaticamente verdade.
Que mania ridícula de agir de certas formas sem motivo nenhum, só porque "todo mundo sempre fez assim".
Que mania ridícula de valorizar coisas imbecis e discutir assuntos idiotas.
Que mania ridícula que homem tem de falar mal de mulher e mulher tem de falar mal de homem.
Que mania ridícula de achar que "ser desonestinho aqui rapidão" não tem problema nenhum.

(Como eu disse, ando sem paciência, então me desculpem a sinceridade :))

Acha que eu estou enganado? Dê argumentos.
Acha que eu sou maluco? Prove.
Discorda? Sustente uma opinião contrária.

Na boa? Estou de saco cheio de ser mal-visto, mal-interpretado e até considerado "alguém que não sabe o que está falando" por pessoas que nunca sequer pararam pra pensar nos assuntos sobre os quais eu reflito, analiso, discuto e estudo quase todos os dias da minha vida praticamente desde que eu nasci.

Para deixar claro: todas as minhas opiniões são muito bem fundamentadas. Elas têm como base conhecimentos em diversas áreas, sejam formais (computação, música, rádio) ou informais (didática, línguas, psicologia, filosofia), além do convívio constante com pessoas de diferentes áreas de atuação, religiões, origens e pontos de vista.

Isso não quer dizer que as minhas opiniões estejam sempre certas ou que você não possa ter opiniões diferentes. Só quer dizer que elas são válidas, e que outras opiniões também precisam estar fundamentadas. Não adianta dizer que algo não é válido sem explicar os porquês, apresentar uma alternativa ou no mínimo já ter refletido bastante sobre o assunto.

Se nem sempre eu pareço ter muita segurança no que estou falando, é pelo seguinte motivo: porque sei que ainda tenho muito o que aprender. Sei que posso mudar de opinião futuramente e sei que eu posso estar errado. Infelizmente, existe muita gente que se coloca como "aberto a discussão" e no fundo é cabeça-dura, só aceitando o que lhe convém e inventando maneiras de enganar a si mesmo ou de distorcer uma discussão.


Na boa? Se você quer ser inovador de verdade, renomado de verdade, respeitado de verdade, faça o seguinte:
  • Seja você mesmo. Olhe mais pra dentro do que pra fora.

  • Trabalhe no desenvolvimento do seu próprio senso crítico e aprenda a confiar nele. Ouça a todos, mas conclua por si mesmo.

  • Julgue as pessoas não por sua posição, título ou passado, e sim por sua coerência. Verifique se a pessoa vive o que diz, e se o que ela vive é uma coisa boa.

  • Aprenda a sentir as coisas. Existem conhecimentos que você tem duas formas de adquirir: 1) estudar durante 30 anos aplicando modelos estatísticos que comprovem cada detalhe cientificamente; 2) perceber a verdade em minutos apenas com sua intuição.

  • Livre-se dos preconceitos - de todos os que conseguir. Faça-se sempre as seguintes perguntas: 1) Sou eu mesmo que acredito nisso ou eu apenas fui ensinado a acreditar? 2) Eu já acreditei nisso um dia, mas será mesmo que eu ainda acredito hoje?

  • Cerque-se de boas influências. Conheça pessoas inspiradoras, ouça músicas inspiradoras, veja filmes inspiradores, leia histórias inspiradoras. Não me refiro necessariamente a obras motivacionais. Qualquer excelente trabalho é uma excelente fonte de inspiração.


Termino citando este texto, simples e direto, com o qual concordo plenamente, de um site que descobri hoje, o http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/:
O Professor Universitário no Brasil é um amador e não um profissional da Educação. Pois em nenhum momento de sua carreira lhe é exigido, ou mesmo facilitado, que adquira conhecimentos e habilidades de Pedagogia e Didática.

As políticas públicas e a legislação sempre enfatizaram como exigência para o acesso à carreira o domínio e profundidade dos conhecimentos na área e matéria que irá ensinar.

Os poucos professores que adquirem essas habilidades e conhecimentos o fazem somente por interesse e iniciativa própria, e assim mesmo tendo que ultrapassar barreiras institucionais até mesmo para reconhecer as qualificações obtidas.


[posts relacionados: Inovação: isso é um absurdo!, Versão brasileira: Herbert Richers]

domingo, 18 de março de 2012

O fim dos computadores

Impossível uma oportunidade mais oportuna para comentar esse assunto. Nem precisei me dar ao trabalho de nomear o post, a notícia já fez isso por mim :)... (aliás, obrigado por me mandá-la, tia Cleide!)

Físico prevê o fim dos computadores

http://tecnologia.br.msn.com/noticias/f%C3%ADsico-prev%C3%AA-o-fim-dos-computadores

O físico teórico Michio Kaku, professor da Universidade de Nova York e co-criador da "Teoria das Cordas", afirmou que o computador como o conhecemos hoje terá desaparecido em 2020. “No futuro, eles estarão em todos os lugares e em lugar nenhum”, disse o cientista durante palestra realizada na Campus Party em 11 de fevereiro.

Na ocasião, Kaku fez um exercício de futurologia mostrando como será o mundo nos próximos 30 anos. Segundo ele, tanto os computadores como a internet serão como a eletricidade é hoje. “Ambos estarão presentes nos tetos, no subsolo, nas paredes e nos aparelhos”, afirmou.

O professor da Universidade de Nova York foi além e disse que a internet estará nos óculos e nas lentes de contato das pessoas. “Você será capaz de ver todas as informações biográficas de um individuo só olhando para ele. Encontrar sua alma gêmea será tarefa fácil”, brincou.

(...)


Vou dizer o que eu acho sobre essas previsões.

Eu acho o seguinte: uma enorme besteira. Calma que eu explico melhor :)...

Eu sei que foi um cara renomado que disse tudo isso e eu entendo perfeitamente os motivos que o levam a acreditar nessas ideias. E eu acho que realmente podemos passar por uma fase de alta tecnologia mesmo, com coisas similares ao que ele mencionou.

O que eu não acredito (e não há quem me faça acreditar) é que isso tudo se tornará ubíquo (presente em todo lugar, em todo país, em toda cidade, em toda casa, em toda pessoa etc.). Ou mesmo que chegará a uma parcela tão significativa assim da população.

Pode até ser que lançarão a lente de contato mágica que te guiará até sua alma gêmea, mas será que as pessoas vão ter mesmo vontade de usá-la?

É fácil imaginar que muita gente vai querer usar essas coisas futuristas. Mas por que a gente imagina isso? Porque pensamos no mundo como ele é HOJE. Se fosse HOJE, com certeza, teria muita gente querendo usar tudo isso.

Mas o futuro não fica no presente, o futuro fica no futuro. Será que no futuro o mundo vai continuar sendo como é hoje? Será que amanhã as pessoas vão continuar sendo como hoje, ávidas por tecnologia?

Eu acho que não. Aliás, eu acho que não MESMO. Eu acho que amanhã o mundo vai ser completamente diferente. Eu acho que as pessoas vão se cansar de tecnologia. As pessoas sempre se cansam de qualquer coisa que vira lugar comum demais. Sempre foi assim com o ser humano: ele se enche o saco de alguma coisa e volta a ser como era antes daquela coisa. Há eras na História que são mais racionais seguidas de eras mais emocionais. Eras mais industriais seguidas de eras mais artísticas. Eras com mais liberdade seguidas de eras com menos liberdade. Logo, por que não, eras com mais tecnologia seguidas de eras com menos tecnologia.

Sabe o que eu realmente acho? Eu acho que o que as pessoas vão querer fazer daqui a poucos anos é aquilo que no fundo elas sempre quiseram: viver em contato com a natureza, consumir produtos mais naturais, ter uma vida mais tranquila, enxergar o verde das árvores, ouvir o som das águas, dos pássaros... Sabe por quê? Porque ISSO é o mundo real. Esse mundo em que vivemos é completamente artificial, tem muito pouco a ver com o que está escrito nos nossos genes nos capítulos "Como funciona a vida" e "Como ser um ser humano".

E em breve as pessoas perceberão que o caminho que o mundo tem seguido está levando-o a uma situação em que todas essas coisas (natureza, tranquilidade, água, árvores) serão raras. E tudo o que é raro acaba atraindo atenção e valendo muito, acaba virando o objeto de desejo das pessoas.

O dia em que a gente se tocar que, ao abrir a torneira algum dia, pode começar a sair água suja, devido à poluição dos rios, talvez a gente acorde para o fato de que vale muito mais a pena trabalhar para despoluir as águas do que para produzir um iPod de 250 terabytes, ou uma televisão de 1200 polegadas, principalmente se for numa fábrica asiática com condições subumanas para os empregados (não que só lá tenha isso, mas lá tem bastante).

Algum dia, não muito distante, o ser humano vai perceber que não precisa de tecnologia para viver, mas precisa de comida, de água, de amigos, de família, de tranquilidade, de felicidade... Note que nada disso é mutuamente exclusivo com a tecnologia. É possível ter os dois. Mas só é possível ter os dois enquanto a existência de um não implicar na inexistência do outro. Se algum dia tivermos que escolher, aí, meu amigo... Adeus mundo conectado e telinhas bonitinhas.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Como eu me tornei vegano


(Foto: pratos veganos preparados por membros do V.I.D.A.)



Este post surgiu a partir de uma conversa no Facebook com o Sr. Fabio Chaves.

Antigamente, eu tinha ideia de que os veganos eram em sua maioria uns sem-noção que só sabiam divulgar fotos horrorosas de animais dilacerados. Além disso, eu também achava que eles curtiam se denominar "vegans", mesmo morando no Brasil, talvez para parecerem mais chiques.

Eu nunca gostei de queijo, não sei por quê. Sempre achei tão nojento quanto carne. Dessa forma, em praticamente qualquer evento social eu sempre me ferrei quanto a comida. E sempre fui considerado fresco com relação à minha alimentação.

Um belo dia, mais ou menos em agosto/2010, eu simplesmente CANSEI disso tudo e decidi procurar pessoas veganas para conhecer, pois assim eu me livraria dessa chateação de ter que aguentar carne e queijo em todo lugar em que eu fosse comer. Aí eu fui procurar no orkut e acabei descobrindo uma comunidade onde a Renata anunciava sua hoje saudosa barraquinha do VegVida (não confundir com o V.I.D.A. acima), que era montada numa feira de uma praça perto da minha casa. Achei perfeito! Prometi a mim mesmo que iria lá no sábado seguinte.

Quando eu cheguei lá, aquilo foi simplesmente uma das coisas mais maravilhosas que já aconteceram na minha vida: eu estava diante de pessoas muito legais, que pensavam muito parecido comigo, que conversavam sobre coisas que eu achava que ninguém conversava, pessoas que não se importavam com as minhas preferências alimentares (até apoiavam, na verdade!). Eu ainda por cima estava diante de um cardápio cheio de opções deliciosas, dentre as quais eu poderia escolher QUALQUER COISA, sem jamais precisar me preocupar se no meio dos ingredientes teria algo que eu não comesse. Eu ainda por cima estava diante de uma pilha de Revistas dos Vegetarianos dizendo coisas interessantíssimas. Além de tudo isso, fui convidado pelo Ricky a me sentar à mesa da conversa e conheci toda a galera que estava por lá! E, para completar, todos usavam o termo em português, "vegano"! Achei que só eu fizesse isso :)...

Pra mim pareceu um sonho. Eu jamais havia imaginado que aquilo tudo fosse possível.

Mas eu não voltei pra casa nesse dia pensando em ser vegano. Voltei pra casa apenas querendo conhecer mais sobre aquela culinária fabulosa, dentro da qual eu poderia exercer toda a liberdade que eu sempre mereci e nunca soube disso. E descobri que existia uma infinidade de salgados, doces, assados, congelados, frios, quentes etc. que eu poderia comer tranquilamente... Um universo novo inteiro de possibilidades que eu estava para conhecer. E percebi que eu até então estava vivendo um mundo muito limitado e não sabia disso, antes eu achava que eu é que era o problema.

A ideia de me tornar vegano veio só alguns meses depois, quando eu entendi mais sobre as razões que levavam alguém a seguir essa filosofia e comecei a ver que todas elas faziam sentido. Eu ouvia cada argumento e pensava "Meu... Eu não consigo refutar isso! Isso é verdade, aquilo também e aquilo outro também!!".

O resto basicamente é história... Mas tem uma coisa que eu gostaria de destacar. Eu, que sou super mente aberta e que já tinha uma propensão GRANDE ao veganismo, demorei vários meses para REALMENTE começar a sequer entender de verdade essa filosofia, quanto mais concordar com ela e decidir segui-la. Eu sempre achei-a interessante, mas demorei bastante para abraçá-la como sendo boa pra mim. E ainda hoje eu não sou 100% vegano, pois sou meio preguiçoso para procurar informações quanto a testes em animais. Além disso, considero que eu deveria assistir a mais documentários, até para saber passar melhor as informações para outras pessoas. Sobre os produtos testados em animais, eu consumo muito poucos cosméticos, e compro aqueles que até onde eu sei são veganos. Então, considero que o impacto disso é minúsculo.

Outras pessoas podem discordar de mim. Alguns podem achar até errado eu me considerar vegano, estando nessa situação. O que eu considero é o seguinte: 1) sou 100% vegano na alimentação; 2) compro só sabonetes vegetais e não compro nada que eu saiba que contenha produtos de origem animal; 3) quero que o veganismo seja uma coisa BOA na minha vida, e não uma encheção de saco - e eu me conheço, tenho uma SÉRIA tendência a levar qualquer coisa como encheção de saco. Então, eu decidi que assim está bom para mim no momento. Um dia eu ainda vou me tornar 100% vegano em tudo (dentro do possível e razoável), mas por enquanto assim está ótimo. Considero que isso não é motivo suficiente para eu dizer que sou "quase vegano", até porque isso mais atrapalha do que ajuda ao conversar com as pessoas.

Por que eu estou contando tudo isso? Por que eu quero chegar no seguinte:

Ninguém tem como chegar e me dizer o que eu devo ou não fazer com relação à filosofia, como eu devo segui-la etc. Eu é que preciso descobrir isso tudo na minha vida. Absolutamente NINGUÉM saberia me dizer com certeza qual seria o melhor caminho pra mim. Eu achava horrível esse negócio de cenas fortes, eu NUNCA veria um documentário como o Terráqueos no primeiro dia em que eu conheci a barraquinha da Renata, e assisti ao filme por livre e espontânea vontade um tempo depois. Eu NUNCA entenderia de verdade o conceito de exploração animal somente com alguém me explicando. Eu precisei refletir durante muitos meses sobre isso e conversar com muitas pessoas para chegar às minhas próprias conclusões.

E é por isso que eu discordo de quem quer impor qualquer filosofia aos outros. É por isso que eu discordo de quem briga com os outros e de quem insiste em mostrar toda hora imagens chocantes para as pessoas, sem aquilo ser solicitado. Fazer qualquer coisas dessas é o mesmo que tentar ser um ditador, criando uma via de mão única da verdade: "Eu sei e você não, seu imbecil. Você tem que fazer assim, porque assim é certo, o resto é errado". As pessoas têm seus devidos tempos para enxergar as coisas. As pessoas vão enxergar as coisas dos seus próprios modos. As pessoas vão trilhar seus próprios caminhos, que serão diferentes dos de todas as outras, ainda que às vezes parecidos.

Eu sou a única pessoa que eu conheço que foi atrás do veganismo por causa do paladar. Com a maioria é ao contrário, o paladar é um dos desafios para adotar a filosofia. Eu já era vegetariano fazia uns 20 anos, mas nunca havia sido por causa de sentimento com os animais. E o que aconteceu é que uma coisa levou às outras e tudo acabou fazendo sentido na minha cabeça. Hoje, a questão do respeito aos animais é o ponto central pra mim.

Com outras pessoas, talvez funcione de outros jeitos. Cada um tem o seu jeito.

Eu penso que qualquer colocação de ideias deva ser feita da seguinte forma: exponha o que você sabe, exponha fatos, exponha opiniões, exponha as suas razões. E deixe a pessoa pensar e concluir por ela mesma. Não está no nosso alcance dar esse segundo passo, não temos esse poder. Outras formas de convencimento também funcionam às vezes, mas muitas geram resistências desnecessárias e criam laços frágeis. Quem toma atitudes por realmente acreditar nelas, aí sim, seguirá seus ideias pela vida inteira.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Versão brasileira: Herbert Richers

Primeiramente, gostaria de dizer que eu não sou um doido varrido ou um extremista dos infernos :)... As opiniões e ideias contidas aqui foram formadas ao longo de vários anos de observação e reflexão, e todas têm seus fundamentos e razões de ser. É claro que você tem todo o direito de discordar delas. Fique à vontade para comentar!

Segundamente, para passar a ideia completa e de uma forma plenamente compreensível, eu precisaria de vários dias ajustando esse texto, e não estou com muito tempo/saco para tanto :). Não sei se eu fui muito claro em alguns pontos. Por isso, qualquer dúvida, é só perguntar!

Vamos lá:

Eu simplesmente não entendo essa mania que muitos brasileiros têm de colocar palavras em inglês no meio das frases. É "off" daqui, é "vegan" dali, é "soft" de lá, é "clean" dali...

O mais engraçado é quando você tenta explicar que "clean" é o mesmo que "limpo". Aí a pessoa diz "Não não... Clean é clean! Limpo é outra coisa". É bem engraçado e triste ao mesmo tempo. É incrível como as pessoas têm a capacidade de pegar uma palavra X em inglês que significa exatamente Y em português e atribuir a ela um significado Z... Como elas conseguem? Tem que realmente ter uma grande imaginação!

Na verdade, eu sei muito bem porque isso acontece. Vamos do começo:

As palavras têm significados e também têm conotações. A gente cria um certo sentimento com relação às palavras que a gente usa, o nosso cérebro se acostuma com elas. A gente usa-as para indexar o nosso cérebro, acelerando a localização dos significados.

Um dia, nós, brasileiros, ouvimos algum estrangeiro dizendo a palavra clean para se referir a alguma coisa simples, direta, sem frescuras. Então, alguém do Brasil teve a seguinte sacada: "Ahhhhhhh, legal! Quer dizer então que clean é ISSO!!! Ótimo, vou começar a usar essa palavra!".

O que esse cidadão acabou de fazer foi associar um signo a um significado. O cérebro deste cidadão mapeou a palavra clean para o significado abstrato da palavra, que é independente de língua.

Aí alguém, um belo dia, percebe o óbvio: clean é limpo (tá no dicionário, e também no cérebro dos falantes das duas línguas). Limpo em português é clean em inglês, ponto. Alguma coisa pode muito bem ser chamada de limpa caso ela seja simples, direta, sem frescuras. O caminho de limpo para "simples, direto, sem frescuras" é exatamente o mesmo do inglês partindo da palavra clean, funciona aqui tanto quanto funciona lá fora. Só que, aqui, as pessoas não falam "This building has a clean architecture". Aqui, as pessoas não falam this, building, has, architecture. Elas falam, ou poderiam falar, "Esse prédio tem uma arquitetura bem limpa". Então, por que nego acha tão legal acrescentar o desnecessário clean na frase?

Simples, porque nego acha interessante o conceito de clean. E é interessante mesmo! O que o cidadão não percebe é que esse conceito não é exclusividade de quem fala inglês: esse conceito é universal. Esse conceito sempre existiu, e as pessoas sempre disseram ou puderam dizer a palavra limpo para se referir a ele. O clean não acrescentou nada na vida da gente. Mas a pessoa não sabe disso, ela acha que clean é a revolução do universo.

Vamos a um outro exemplo.

Vegan: palavra surgida na década de 1940, quando Donald Watson fundou The Vegan Society, no Reino Unido. Ótimo!! Perfeito, maravilhoso! Ele fundou essa sociedade no Reino Unido, onde curiosamente as pessoas falam inglês. A origem da palavra é simplesmente uma redução de vegetarian, pegando o começo e o fim da palavra (talvez uma analogia com o fato de veganos sejam, de uma forma bem simplificada, vegetarianos que comem algumas coisas a menos - então a palavra diminui, sacou?).

Um dia, o veganismo atravessou as fronteiras oceânicas e chegou num país chamado Brasil, onde as pessoas falam português. E algumas pessoas daqui começaram a falar vegan, igual no inglês. Outras pessoas perceberam que, se existe a palavra vegetariano, pode passar a existir a palavra vegano também. Simples assim. Aí, essas pessoas começaram a dizer vegano, vegana, veganismo, veganizar, veg o que você quiser. E funcionou muito bem assim desde então.

Enquanto isso, outras pessoas decidiram que diriam somente vegan. Essas mesmas pessoas não dizem veganism. Por quê? Talvez porque veganism seja uma palavra meio difícil e chata de se pronunciar. O que muita gente não sabe é que a pronúncia de vegan não é "vígan", é algo meio que "veígan", difícil de escrever a pronúncia, difícil de pronunciar, difícil de as pessoas entenderem quando você diz. Tudo isso é óbvio, afinal, é uma palavra estrangeira!! É óbvio que não temos prática em pronunciá-la, e não precisamos ter, pois existem palavras em português que funcionam perfeitamente bem nesse contexto. Mas, mesmo assim, parece que tem gente que acha mais chique, ou mais "original", ou mais sei lá o quê falar "vígan", "vígan", "vígan". A "vígan" de sustentação do prédio, por exemplo.

"Ah, mas 'vegano' é meio estranho!". "Ah, mas 'limpo' é feio!", "Ah, mas '50% de desconto' é tosco, muito melhor, mais curto e mais chique falar 50% OFF!". Muita gente pensa assim. Essas pessoas esquecem-se do fato de que toda palavra nasceu algum dia, nenhuma palavra "sempre existiu". Toda palavra causou estranhamentos no começo da sua existência, afinal, ela era NOVA!!! Tudo o que é novo causa estranhamentos. Os estrangeiros, quando ouviram vegan pela primeira vez, estranharam também. Com o tempo, eles se acostumaram. Percebo que nós aqui temos preguiça de passar por essa adaptação. Queremos puxar coisas prontas de fora, queremos evitar ao máximo qualquer desconforto ou estranhamento. Temos mania de achar que as palavras em inglês são mais "bonitas" e que as versões dela em português são "feias", só porque a gente não entende direito quando está dita em inglês e entende muito bem quando está dita em português. E então, já que a gente não entende, "deve estar bem assim", mas, quando a gente entende, acha "feio". É igual letra de música: muita gente acha melhor ouvir letra em inglês porque não entende o significado, porque, se for ver o significado mesmo, vai achar a letra ridícula. (OBS: não estou achando que a pessoa iria achar a letra ridícula; já ouvi gente realmente dizendo que ACHA a letra ridícula quando a entende!)

Deixa eu ver se eu saquei bem a ideia: é bonito não entender o que está sendo dito e é feio entender exatamente o que está sendo dito?

Loop significa laço, em inglês. Um loop na programação nada mais é do que um laço. Hein?? Sim! Já viu a forma de um laço? É uma linha curva, que começa em um ponto e termina nele mesmo, ou seja, é cíclico, volta para o início depois de terminar.

E aí? É bonito dizer loop e é feio dizer laço? Com certeza menos gente já ouviu laço com esse sentido e alguns vão achar estranho, mas será que a primeira vez em que loop foi dita lá fora as pessoas acharam 100% normal? Ou acharam meio estranho também? E será que não foi interessante perceber essa analogia do significado original da palavra com o significado que ela tem nesse contexto? Será que essa analogia não ajuda no entendimento?

É feio sacar na hora a analogia que se está usando para criar aquele novo conceito e é mais bonito usar uma palavra desconhecida, cuja analogia não será percebida? É feio dizer vazão de dados e é bonito dizer throughput? Algum brasileiro acha fácil escrever e pronunciar throughput?

Muitas vezes escrevemos mais ou menos assim:

O throughput do sistema (a "vazão" de dados) ...

É preciso mesmo ficar colocando entre aspas a palavra que representa exatamente o que o conceito é? É preciso ficar dizendo "Uma arquitetura clean é como se fosse, assim, 'limpa', sabe, não tem muitos elementos, é simples"? É preciso mesmo dizer esse "é como se fosse" para uma coisa que realmente É EXATAMENTE aquilo?


Eu sinto aí uma inversão de valores. Sinto que estamos querendo tomar atalhos que não deveríamos. Ficamos querendo evitar pequenos desconfortos com as palavras, e acabamos criando desconfortos maiores. A grande maioria da população brasileira não sabe inglês, ao contrário do que muitos de nós achamos. Ao usar termos em inglês, dificultamos o entendimento da informação. Pior ainda, fazemos essas pessoas se sentirem mal porque não entendem o que estamos dizendo. Também fazemos elas se acharem burras, porque não entendem o que estamos dizendo mas sentem que deveriam, quando na verdade nós é que deveríamos ter explicado a coisa de forma mais clara e acessível.

Não estou dizendo que não devemos estudar inglês, muito pelo contrário, devemos estudá-lo, e muito, a vida inteira. Mas não para piorarmos o português, e sim para melhorarmos nossa comunicação com pessoas de fora e sermos capazes de entender material vindo de fora (seja para estudo ou diversão).

"Ah, mas português é difícil!". Inglês também é muito difícil, apenas de maneiras diferentes. A questão é: alguém, lá fora, já teve todo o trabalho de descobrir ou inventar palavras para serem usadas em determinado contexto para significar determinados conceitos. Se a gente simplesmente importar essas palavras, é claro que fica mais fácil! Alguém já fez o trabalho sujo. E, ao se sujar, essa pessoa aprendeu um monte de coisas: conheceu palavras novas, conheceu significados novos, descobriu novos conceitos, e acabou aprimorando a ideia que ela gostaria de passar. Ao simplesmente pegar essas palavras prontas, você acabou de 1) dificultar o entendimento para o seu interlocutor; 2) perder um monte de analogias que fundamentavam as escolhas daquelas palavras; 3) reduzir o seu próprio entendimento do assunto em relação ao que você teria de entendimento se tivesse feito esse trabalho de buscar as palavras correspondentes (ou inventá-las) na sua própria língua.

Em outras palavras, você simplesmente aproveitou muito pouco do entendimento que poderia ter tido do assunto.

Pensando em nós como um país inteiro de pessoas fazendo isso sistematicamente, como ficamos? Ficamos daquele velho e tosco jeito: uma nação que tem o costume de apenas consumir coisas prontas, imitar os outros, repetir fórmulas, não aprender as coisas direito, não inovar.

Se a gente apenas decorar as palavras do livro-texto em inglês que a gente estudou e repetir essas palavras por aí, estaremos tentando replicar um conhecimento que foi produzido em uma outra cultura. Simplesmente não funciona direito.

Nós NÃO temos a mesma cultura dos Estados Unidos da América. Nós NUNCA seremos os Estados Unidos. E isso é ÓTIMO! Porque nenhum país tem que ser igual aos outros. Nenhum país É igual aos outros. Isso é que dá graça ao mundo. Cada país fala uma língua, e isso é ÓTIMO, ao contrário do que muita gente acha. Para nós, certas coisas fazem sentido que para eles não fazem (algumas piadas, por exemplo). O inverso também é verdadeiro: um monte de ditos populares, piadas, frases conhecidas etc. que eles têm lá NÃO FAZEM O MENOR SENTIDO para a gente, nem deveriam fazer. E as palavras que eles inventam lá fazem sentido para ELES, têm fundamento para eles, têm analogias boas pra eles. Nós aqui merecemos palavras mais próximas da gente, adaptadas para a NOSSA cultura.

Traduzir um livro, um filme ou qualquer texto não é um trabalho qualquer. O tradutor, já disse o Sr. Eduardo Spohr (do Nerdcast), é um ESCRITOR. Um tradutor ESCREVE um livro. Ele não apenas traduz as palavras, nem apenas as ideias. Ele captura a ESSÊNCIA do texto e reescreve-o, adapta-o para uma outra língua, uma outra cultura. Fizeram isso na dublagem do Chaves e Chapolin. Ficou bom, não?

Fizeram isso muitas outras vezes, e em algumas vezes ficou bom, em outras não ficou - assim como tudo na vida, que tem horas em que dá certo, tem horas em que não. Com esforço e dedicação, pode ficar muito bom. Não pense que está escrito na pedra que "traduzir = ficar tosco", "inglês é melhor que português", "português é muito difícil", "escrever é chato" etc. Cuidado com verdades absolutas. Elas podem te enganar, fazendo-se parecer que são suas, e na verdade terem vindo de algum outro lugar não confiável. Forme sua própria opinião. Pense na ideia, reflita sobre o tema, observe atentamente como funciona a comunicação entre as pessoas.


Eu NÃO estou dizendo para largarmos mão total de usar palavras em inglês, nem que devemos traduzir tudo. O que eu quero mesmo é mostrar um outro lado da questão muito pouco comentado. Quero mostrar que o "não traduzir nada, NUNCA" pode ser tão prejudicial quanto o "traduzir tudo, SEMPRE". Quero mostrar que a maioria de nós tem, em geral, uma visão meio enviesada, tendenciosa da coisa, pois poucas pessoas realmente param pra pensar de verdade no assunto. O que mais se vê são opiniões prontas sendo repetidas pra todo lado, e eu acho isso muito perigoso. A maioria das pessoas acha que tem mais é que não se preocupar nem um pouco com isso, tem que falar como quiser, fazer como quiser e pronto. E eu vejo essa visão como sendo tão problemática e extremista quanto "traduz tudo sempre, é proibido falar em inglês, isso tudo é uma vergonha nacional". E lembro também que o lance da tradução é apenas um dos muitos pontos da questão, possivelmente o mais polêmico. O assunto vai muito além, passando por áreas como Línguas, Línguística, Psicologia Cognitiva, Filosofia da Ciência etc.


Como leitura extra, recomendo (principalmente aos computeiros) o texto Tradução de Textos de Computação e Informática para o Português. É de um professor da USP chamado Fábio Kon. Ele discute brevemente a questão e sugere algumas traduções interessantes. Eu discordo de algumas ideias dele (por exemplo a questão da palavra site), mas achei algumas coisas muito da hora, por exemplo a ideia do complexo de inferioridade e a tradução correta para a palavra assume (supor, considerar - acrescento ainda: presumir -, e não assumir, que tem outro significado. A palavra assume é um falso cognato).