sábado, 1 de dezembro de 2012

O quadro inteiro da vida?

Uma coisa que não acontece comigo hoje é aquele sentimento de saudade da infância. Eu já tive muito isso, mas hoje não mais. Eu adoro minha vida de hoje e adoro a idade que eu tenho!

Costumo dizer que, se eu morresse hoje, minha vida já teria valido a pena. Fiz todas as coisas que eu queria fazer na vida, exceto aquelas sobre as quais eu mudei de ideia quanto a fazê-las e exceto aquelas que eu ainda não fiz porque ainda estou no caminho de fazer.

Não acho que sair bebendo o máximo de bebidas que conseguir e pegando o máximo de mulheres/caras que puder alguém estará aproveitando sua vida. Depois de um tempo, essas coisas passam. Pegou um monte de mulher (ou homem, se vc for mulher ou gostar da fruta)? E depois? Alguma dessas pessoas vai te visitar no hospital se você estiver no seu leito de morte?

Aproveitar a vida pra mim significa construir. Eu acredito em vida após a morte, mas, mesmo se eu não acreditasse (e já não acreditei), continuaria achando a mesma coisa. As coisas que têm real significado são aquelas que te modificam para melhor, o que tem como consequência modificar também o mundo para melhor.

Aquela ideia de "viver cada dia como se fosse o último" é interessante, mas tem um detalhe que merece cuidado: muitas coisas na vida obviamente não são feitas em um dia, por mais que assim a gente quisesse. Você não realiza um projeto em um dia. Você não faz um amigo em um dia. Você não aprende música em um dia. Você não supera uma barreira psicológica profunda em um dia.

E, no entanto, realizar projetos, fazer amigos, aprender música, vencer barreiras psicológicas etc. fazem parte da vida. Se cada dia fosse o último, não valeria a pena nem começar nada disso.

...ou será que valeria?

Sipá, sim. Porque o mais importante não é chegar lá, e sim curtir o processo. O risco de não chegar é inerente à tentativa. E, se você não chegar lá, você vai com certeza chegar em algum outro lugar, e isso terá te agregado muito.

Eu fiz mestrado durante 3 anos. Após mais ou menos um ano e meio do início, percebi que não era aquilo que eu queria fazer. Já não valia mais a pena voltar atrás. Valia a pena terminar, ainda que esse processo fosse muito sofrido, e foi mesmo. Mas o tanto de coisa que eu aprendi nessa brincadeira não foi brincadeira. Por exemplo, aprendi a lidar com situações adversas e terminar coisas que eu não curto. Eu simplesmente não sabia fazer isso.

E, obviamente, coisas que a gente não curte acontecem direto. Agora, eu sei lidar melhor com isso. Antes, eu não sabia. Se você mostrasse para o André de 2008 um filme retratando uma semana minha de sofrimento com o mestrado em 2010, é bem provável que eu tivesse desistido de fazê-lo.

Por sorte, a gente não tem nenhuma maneira de saber o que virá de antemão. Temos apenas a visão limitada que a gente consegue ter naquele momento. Se eu tivesse desistido de começar, seria uma pessoa com menos sabedoria hoje.

...ou não.

A vida não nos dá certezas. Só temos certeza das coisas que já aconteceram, se é que temos. Não adianta querermos viver baseado em certezas. Não temos o código-fonte do mundo na mão para poder editar e comitar. Não temos acesso a todas as variáveis. Nem sabemos quais são todas as variáveis.

Por isso é que eu acho tonta essa galera que fica fazendo um milhão de previsões sobre o mundo futuro e fica afirmando aquilo com frases pomposas como "Coisa A morreu: chegou a vez de B", "Você ainda faz C? Conheça D, a tecnologia que vai revolucionar sua vida". Isso é mó papo de jornalista que só quer vender sua matéria. A verdade é que ninguém tem certeza de nada, inclusive eu com essa frase.



Em vez de ficar a vida inteira correndo atrás de certezas, é muito mais prático aceitar a ocorrência dos reveses da vida e saber lidar com eles positivamente. É muito mais prático exercitar o desapego para estar preparado para os momentos de perda. É muito mais prático aprender a lidar com o pouco controle que temos do mundo e aprender a lidar com o grande controle que podemos ter de nós mesmos.


Sejamos honestos: ninguém aqui conhece o quadro inteiro da vida, né galera! Vamos deixar o mundo seguir seu rumo. E, por favor, jornalistas e blogueiros, vamos parar com a arrogância de querer se colocar como aquele que "resolveu todos os mistérios da vida", que é o que às vezes soa pra mim ao ler alguns títulos de reportagens por aí. Espero que eu não tenha causado essa impressão com esse post, pois a ideia é fazer justamente o contrário :).

sábado, 24 de novembro de 2012

Detalhes tão pequenos e grandões

Sempre fui considerado detalhista. Principalmente por mim mesmo.

Eu realmente sou um cara detalhista, e isso é uma característica marcante minha.

Mas, nos últimos anos, andei percebendo vários fatos interessantes sobre os detalhes. Esses fatos aplicam-se totalmente a desenvolvimento de software, assim como a muitas outras coisas.

1) É muito mais fácil aprimorar um detalhe do que um negócio inteiro. A galera que gosta de melhoria contínua deve ter isso bem vivo em mente. Melhorias gigantes não são feitas da noite pro dia. Melhorias minúsculas, sim. Aliás, você consegue fazer UM MONTE delas da noite pro dia. Resultado? Satisfação, motivação, experiência, aprendizado. Excelentes ingredientes para uma mudança maior.

2) Produtos de enorme sucesso são extremamente bem acabados. Se você pretende na sua vida criar alguma coisa realmente muito marcante para as pessoas desse mundo, seja para vender ou não, atente para os detalhes. Grandes músicos fizeram isso, grandes designers fizeram isso, grandes desenvolvedores, professores, cineastas, escritores etc. fizeram isso. O "efeito novidade" perde o encanto rapidamente. Os detalhes ficam.

3) Certas coisas são detalhes hoje, mas serão a parte principal amanhã. Hoje, "deixar tal coisa mais bonitinha" não fará diferença. Amanhã, quando o seu projeto for gigante, aquela coisa terá servido de inspiração para a criação de um monte de outras. Parta de uma base tosquinha mantendo o padrão e terá um resultado final toscaço. Parta de uma base bonitinha mantendo o padrão e terá um resultado final maravilhoso.


Por muito tempo, eu estive cansado de ser detalhista. Ficava brigando comigo mesmo, tentando colocar na cabeça que ser detalhista só atrasaria a minha vida.

A verdade é que, mesmo cansado, eu nunca consegui mudar muito isso, pois sempre adorei os detalhes. Hoje, cansei de estar cansado disso :).

Enxerguei o verdadeiro valor e potencial dos detalhes. Enxerguei que eles te levam muito mais longe do que apenas "ajeitar um negocinho aqui". Eles te fazem repensar sua vida inteira, só que eles fazem isso devagar, então você às vezes nem percebe. Quando vê, tudo já mudou.

É porque não mudou de uma hora para a outra, porque nada que é gigante muda de uma hora para a outra. Então, na próxima vez em que alguém virar pra você e falar "O mundo é assim mesmo e tal coisa nunca vai mudar", pergunte para ela quantas pequenas mudanças ela tem feito na sua própria vida. Se a resposta for nenhuma, confirme com todas as letras: "Hm, você tem toda a razão!".

domingo, 18 de novembro de 2012

Faço, logo existo

Antigamente, eu ficava muito nervoso diante de quase qualquer situação em que eu tivesse que tomar uma atitude envolvendo riscos. A simples palavra "decisão" já me causava medo.

Eu tinha consciência de que não poderia viver assim a vida inteira. Eu teria que mudar. Por mais assustadora que parecesse essa ideia de mudança, a ideia de ficar do mesmo jeito a vida inteira parecia muito mais assustadora. Em outras palavras, me vi obrigado a escolher entre o pior e o menos pior :).

Às vezes, eu ficava me imaginando no futuro... Imaginava um cara que conseguiria tomar muitas decisões na vida, sem ficar com medo, sem ficar enrolando, sem ficar pensando exageradamente nas consequências.

Hoje, muitos anos depois, vejo que eu estava QUASE certo sobre o meu futuro :).

Hoje, realmente consigo tomar muitas decisões na minha vida. Consigo não ficar enrolando, consigo não pensar exageradamente nas consequências. Penso o suficiente e PÁ, vou lá, decido e ajo.

Mas existe uma coisa que é bem diferente de como eu pensava que iria ser: a parte do medo. Essa não mudou muito, não :)... Antes de cada decisão a ser tomada, continua me dando medo. Durante cada reflexão que precede uma decisão, continua me dando calafrios, continua me dando insegurança.

Em situações de decisão, segurança é uma das coisas de que mais se sente falta. Tudo o que você quer é ter a certeza, ou ao menos saber que a probabilidade é bem alta, de que a decisão a ser tomada será a mais acertada. Mas acontece o contrário: vem um monte de insegurança e dúvidas. E você, com isso, às vezes fica paralisado, não conseguindo decidir nada. E se ferra com isso.

Hoje, vejo a coisa de forma muito diferente. Vejo que a segurança só chega DEPOIS da decisão ter sido tomada e consolidada. A certeza da melhor escolha, se vier, é lucro, e vem depois.

Desencanei de esperar ter muita segurança e certeza para tomar decisões. Mudei a estratégia: em vez de tentar 10 vezes com 90% de certeza, tento 100 vezes com 9% de certeza. E não crio nenhuma expectativa para as primeiras, sei lá, 30 vezes. Essa fase é de aprendizado. Nessa fase, raramente o resultado é bom. Não é para isso que ela serve. Ela serve para te dar experiência. E experiência você só vai adquirir tentando, dando a cara a tapa. É a fase em que você deve deixar seu orgulho de lado e colocá-lo à disposição para ser ferido, se necessário.

Ter o orgulho ferido, muitas vezes, é um ótimo aprendizado. Torna a gente mais humilde e mais preparado para aceitar fracassos, que fatalmente acontecem.

E tem uma parte boa: não são exatamente 100 vezes com 9% de certeza. Nas primeiras 30 vezes, talvez você tenha só esses 9%. Depois, eles sobem! Pois você já entende melhor do assunto. Então, eles passam para, sei lá, uns 20%. Daqui a pouco, já estão nos 40. Logo, logo, talvez passem até dos 90! E você percebe que, com o tempo, consegue mais certeza do que conseguiria apenas estudando a situação e não fazendo mais nada.

Geralmente, a insegurança mesmo vem em situações desconhecidas, e costumamos lidar bem com as já habituais. Mas isso também tem limitações.

Uma delas é que a gente enfrenta situações novas o tempo todo. É simplesmente impraticável possuir experiência e segurança prévias em tudo.

A outra é que, em geral, somente após MUITA experiência é que ficamos realmente seguros das coisas. No geral, mesmo com a experiência, dá medo, e muito.

Antigamente, eu acreditava que situações favoráveis reduziriam drasticamente minha insegurança e impulsionariam absurdamente minha tomada de atitude. Hoje, vejo que não é bem assim. Já me vi em muitas e muitas situações EXTREMAMENTE favoráveis em que o medo e a insegurança persistiram, em um grau apenas ligeiramente menor que o normal.

Então, reduzi a importância disso na minha cabeça. Antes eu achava que o principal lance era a situação. Se a situação fosse tranquila, eu estaria tranquilo e seria de boa. Hoje, acho que a situação é apenas uma pequena parte. A principal parte mesmo é a seguinte:

A capacidade de agir APESAR do medo, APESAR da insegurança, MESMO sem certeza, AINDA QUE correndo risco.

Minha psicóloga sempre disse isso para mim de uma maneira ou de outra, e acho que eu finalmente andei entendendo :)... O caminho mais eficaz para mim ficou sendo "fazer cada vez mais coisas", e não "estudar cada vez mais situações".

Além disso, começar pequeno também ajuda muito. Você dificilmente vai conseguir vencer um Everest de bloqueios mentais da noite pro dia. Você dificilmente vai mudar um comportamento mega enraizado na sua alma da noite pro dia. Muito mais viável é buscar pequenas vitórias, pequenos progressos, nas situações em que você tiver que dar apenas um passo, e não 500.

Dado o primeiro passo, você com certeza colherá frutos. Talvez não sejam os mais doces frutos do mundo, afinal, você estará na fase de aprendizado. O importante mesmo é que você DEU aquele passo. Você cresceu. Você venceu uma pequena etapa. Você já está melhor do que estava antes. Dado esse passo, já ficou mais fácil enxergar os próximos e caminhar por eles. E assim você vai, até que um dia, quase que magicamente, você chega lá.

Essa é a mágica da vida: não existe mágica nenhuma. Existem caminhos a serem percorridos, existe esforço, fé, dedicação, superação.

Deixa eu parar por aqui antes que comece a ficar clichê demais :).

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A lógica do mundo

O mundo às vezes parece seguir mais ou menos a seguinte lógica:

Comer somente o que te faz bem é ser alternativo.
Ser coerente é ser alternativo.
Fazer um excelente trabalho é ser alternativo.
Deixar aflorarem as ideias e emoções é ser alternativo.
Tratar mulheres com respeito é ser alternativo.
Pagar à vista é ser alternativo.
Ter autocontrole é ser alternativo.
Gostar de natureza é ser alternativo.
Valorizar sua própria língua é ser alternativo.
Valorizar a música boa do seu país é ser alternativo.
Evitar preconceitos é ser alternativo.
Ter parcimônia nos julgamentos é ser alternativo.
Cuidar bem da sua própria vida é ser alternativo.


Em outras palavras:

Normal é comer o que te faz mal.
Normal é ser contraditório.
Normal é trabalhar nas coxas.
Normal é ser reprimido.
Normal é tratar mulher como objeto.
Normal é se endividar.
Normal é ser descontrolado.
Normal é gostar de artificialidades.
Normal é pagar pau pra língua dos outros.
Normal é pagar pau pra música dos outros.
Normal é ser preconceituoso.
Normal é sair julgando.
Normal é encher o saco dos outros.


E depois o louco sou eu.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A arte está em todo lugar

Poesia: palavra que assusta.

Poesia é a voz da alma. Todos têm alma. Todos têm poesia dentro de si, todos apreciam poesia. Muitos apenas não sabem disso, pois existe um tabu.

Esse tabu prega coisas do tipo "poesia é coisa de viado", "poesia é um bando de gente tonta falando bobagem sem significado", e por aí vai. E é justamente aí que está a parada: significado.

Significado é uma coisa pessoal. Um filme pode ser extremamente significativo para muitos e não valer nada para outros. Com um livro, a mesma coisa. Com este blog, a mesma coisa. Com qualquer forma de comunicação, a mesma coisa.

Essa é a dinâmica da vida. O diálogo, como diria a própria palavra, só existe a dois. Não há nada de errado nisso, nem nada que precise ser mudado até aí. Pessoas devem buscar aquilo que dialoga com elas.

Se existe algo que deva ser mudado, é o mal-entendimento da galera a respeito do que são arte e poesia. Definir essas coisas é complicado. Ou não.

Pergunte a um computeiro o que ele sente quando assiste à clássica palestra do Steve Jobs em Stanford, eternamente citada neste blog.





Pergunte a um cinéfilo o que ele sente ao assistir a um filme épico.

Pergunte a um jogador o que ele sente quando escuta uma bela trilha sonora.

Pergunte a uma pessoa que viveu a infância anos 80-90 o que ela sente quando relembra uma fala do Chaves, um episódio de Anos Incríveis, uma música de filme da Disney.






A poesia não está restrita a textos rebuscados, grupos de intelectuais, pessoas metidas, pessoas malucas. Ela está em todo lugar. Lembro-me de um episódio de "O Fantástico Mundo de Bobby" muito da hora, em que há um guardinha de trânsito que diz para ele: "A música está em todo lugar", frase que marca o Bobby. O guardinha morre durante o episódio. Com isso, o trânsito vira uma bagunça, e o Bobby está lá no meio do trânsito complicado, a pé. Chega um momento em que ele finalmente compreende de verdade a frase que ouviu. Aí, usa o apito do guardinha e consegue organizar o trânsito. Nesse momento, é mostrado o guardinha lá no céu, sobre uma nuvem, olhando para a rua, orgulhoso do garoto.

Essas coisas que marcam a nossa vida não surgem por acaso, não vêm do nada. Elas são apenas a poesia que algumas pessoas acrescentam em suas peças publicitárias, literárias, televisivas etc. Elas nos marcam porque dialogam com a nossa alma.

Falas aleatórias que surgem no dia-a-dia, piadinhas sagazes, momentos inusitados, cenas simples e marcantes... Tudo traz alguma carga poética. É só reparar!


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Apenas humanos sendo humanos

Uma coisa com que eu não me conformo nessa vida é o nosso atraso enquanto humanidade.
  • Orientação a objetos já tem mais de 30 anos e até hoje nego não entende direito e não sabe usar direito.
  • Lógica existe desde a Grécia Antiga e até hoje tem gente que não aparenta aplicá-la em suas vidas.
  • Sabemos que não sabemos as respostas para os problemas ambientais desde a ECO92 (no mínimo) e até hoje nego acha que tá tudo bem, tá tudo certo.
  • Espiritualidade é estudada e praticada há milênios e até hoje tem gente se matando ou se ofendendo por causa de religião.
  • Músicas maravilhosas foram compostas séculos atrás e até hoje nego não sabe apreciá-las direito.

Às vezes sinto que somos um bando de amadores vivendo nesse mundo. Muitas respostas já estão aí, já foram encontradas, muita coisa já foi provada, muitos problemas já foram resolvidos... E ainda continuamos tendo os mesmos problemas, as mesmas discussões, os mesmos impasses. Parece que queremos ficar sempre na mesma, remoendo e requentando as questões.

Acorda aí, galera... Olhe pros problemas com inteligência. Pense bem se alguém já não teve esse mesmo problema antes, procure uma solução já existente, veja se ela se aplica ao seu caso. Nego já estudou e testou MUITA coisa na história desse planeta, é bem possível que o seu problema na verdade nem exista. E, se for esse o caso, vc ganha uma carta branca pra largar mão desse e partir prum próximo, muito mais importante e interessante.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Adeus a Altamiro


Conhecido por muitas pessoas mais velhas, desconhecido por muitas pessoas mais novas, conhecido e reconhecido por TODAS as pessoas que apreciam choro. Na quarta-feira, dia 15 de agosto de 2012, foi-se Altamiro Carrilho, um dos grandes mestres musicais desse país.

Em 2005, o figura esteve em São Carlos, no Festival Chorando Sem Parar, como homenageado do ano. Com seu sotaque carioca e seu jeito meio sem jeito, falou, falou, falou... E tocou, tocou, tocou. Não só a flauta, mas também o público. Conquistou a simpatia de todos, o que não é difícil, pois, mesmo reforçando várias que "não merecia aquela homenagem", sua música indicou justamente o contrário. Quem estava lá, deve lembrar-se de quando cantamos Carinhoso todos juntos, certamente um dos momentos mais memoráveis daquele dia.

Em 2010, o figura novamente esteve em São Carlos, no mesmo festival. Já mais idoso, com mais dificuldade de locomoção e mais magro, porém com a mesma modéstia e jeitinho conversador que lhe eram peculiares, características que apenas reforçavam sua simpatia e simplicidade.

Na ocasião, eu já estava mais a par de seu trabalho, conhecia alguns de seus CDs. Neles, descobri músicas extremamente originais e criativas desse grande artista, destacando-se em meio a tantos choros comunzões que eu já tinha ouvido. Veja por exemplo esta música: A Máquina de Escrever



Acabei de descobrir que a composição não é dele, mas de qualquer forma eu poucas vezes já tinha ouvido alguém pegar músicas eruditas e tocá-las em choro, ainda mais com tanta propriedade, vivacidade e bom humor. O cara não era nada jovem, e seu trabalho era totalmente inovador!


Outra dessas músicas que eu curtia pra caramba era uma chamada Contatos Imediatos:


Eu nunca assisti ao filme homônimo, mas conhecia essas cinco notinhas do início, e achava mó da hora (imagina se eu iria deixar de gostar de alguma trilha sonora :)).


Outra música sensacional do mestre é esta: Aeroporto do Galeão



Num dado momento do Chorando Sem Parar 2010, o Altamiro tocou Aeroporto do Galeão, e contou a história de como compôs essa música. Ele ia com frequência ao (adivinhe) Aeroporto do Galeão, no RJ, e lá sempre ouvia essas quatro notinhas iniciais, muito provavelmente precedendo aqueles clássicos anúncios feitos no microfone ("Atenção senhores passageiros do voo..."). Ele achava o sonzinho legal e pensou que talvez desse para fazer uma música em cima disso. E fez!

Em seguida, no mesmo Chorando Sem Parar 2010, o Altamiro pediu para a plateia sugerir alguma música. Foi nesse momento que criei coragem e comecei a gritar: "Contatos Imediatos!! CONTATOS IMEDIATOS!!!"

Ao ouvir o nome da música que eu estava falando, ele disse o seguinte: "Ahhh, esse aí está por dentro do meu repertório!", e eu já me senti o cara :)... E ainda contou também a história de quando ele criou essa música. Ele assistiu ao filme, e achou esse teminha muito interessante. De lá, tirou inspiração para fazer a música. E fez. Se eu não me engano, ele até disse que não achou o filme grande coisa, mas que essas 5 notinhas (Lá Si Sol, Sol< Ré) realmente lhe chamaram a atenção.


Essas pequenas historinhas que ele contou, de como compôs essas duas músicas, tiveram uma grande influência na minha vida. Se você entendê-las simplesmente como "o cara ouviu as notinhas, achou legal, compôs em cima e ponto", não vai parecer grande coisa. Mas, se você extrapolar um pouquinho, vai perceber que é muito mais do que um simples "só sei que foi assim": é isso que os gênios fazem.

Os gênios, ao contrário do que muita gente pensa, não são aquelas pessoas que passam semanas em seus laboratórios secretos bolando formas de dominar o mundo. As pessoas que realmente são boas no que fazem são aquelas que buscam inspiração para sua arte no seu dia-a-dia. É vendo um filminho aqui ou ali, vendo uma notícia que saiu no jornal, ouvindo uma fala engraçada de algum amigo, vivenciando uma situação irônica, uma situação difícil... Os gênios fazem da sua própria vida um caminho natural para a sua arte e o seu trabalho.

Vale ressaltar que, quando ele foi começar a tocar a música Contatos Imediatos, ele não se lembrava muito bem das notas, estava confundindo-as com as da Aeroporto do Galeão, que ele tinha acabado de tocar (e as duas são bem parecidas mesmo). Aí, ele pediu para que eu, que tinha pedido a música, ajudasse-o a relembrá-la.

Esse foi meu momento de glória, do qual vou me lembrar pro resto de minha vida. Levantei-me, em meio a centenas de pessoas, ergui os braços e, como que regendo uma orquestra, cantei: "tã tã tã, tó tããããã...". Recebi aplausos de todos, e, com esse solfejo, ele pôde começar a música e presentear-nos com aquele belo e original som, que só o Altamiro sabia fazer.

Eu me senti especialmente recompensado com o meu pedido atendido. Ganhei o dia, ou melhor, o ano, ou melhor, a vida! Lembrarei-me para o resto da minha vida desse momento tão marcante. E o próprio Altamiro também deve ter se lembrado bastante desse ocorrido, pois, após o palco, fui procurá-lo para tirar uma foto com ele e ele me parabenizou pela coragem de ter cantado o começo da música na frente de todo mundo.


Hoje, Altamiro descansa em paz e o céu está mais alegre com sua presença. Certamente, as boas almas do outro lado receberam-no em um lindo coro cantando Carinhoso. E ele deve ter se emocionado, assim como emocionou muita gente aqui na Terra durante os 87 anos que passou aqui com a gente.

Valeu, Carrilhão! É do Brasil!!!!





Altamiro Aquino Carrilho
21/12/1924 - 15/08/2012